Monday, December 21, 2009

Vinum Nostrum

No mundo do vinho francês, há uma grande pressão para a adoção da agricultura orgânica, evitando-se as peripécias bioquímicas, que fazem verdadeiros milagres, só comparáveis àqueles do marketing.

Como citei há meses,‭ ‬trapacear na produção de vinho dá cadeia.‭ A‬pesar de toda fiscalização,‭ ‬ainda há fraudes. Também há muitas coisas que não são ilegais, mas poderiam ser evitadas.‭ ‬A videira e o vinho recebem defensivos,‭ ‬fertilizantes,‭ ‬leveduras,‭ ‬bactérias,‭ ‬enxofre,‭ ‬acidulantes e ‭açúcar.‬ ‭A adição de tantas substâncias estranhas nega a própria essência do vinho francês, a cultura do "terroir". ‬Enfim,‭ ‬é muito espaço para criatividade. A indústria do vinho percebeu os abusos e está se ajustando.‭ ‬Melhor assim.

O vinho orgânico ainda é raro.‭ ‬Nessas feiras de vinhos tão comuns na França,‭ ‬pude encontrar alguns produtores.‭ ‬Eles confirmam o desafio de se seguir a cartilha do orgânico,‭ ‬mas o esforço é recompensado.‭ P‬roduz-se menos,‭ porém‬ com mais qualidade. No lançamento do Beaujolais Nouveau 2009, um produtor quase me convenceu. Após meia hora de conversa e muita degustação, eu acabei levando uns seis litros de suco de uva.

No Le Monde,‭ ‬li um artigo sobre um produtor da Borgonha que usa apenas cavalos na sua fazenda.‭ ‬Fazer uma máquina motorizada passear pelos vinhedos seria um crime,‭ ‬segundo ele.‭ ‬No seu site,‭ ‬há diversos equipamentos para videiras e cavalos. Exagero? Talvez, mas simboliza este movimento para um vinho mais artesanal.

Alguns vinicultores querem ir mais longe,‭ ‬incorporando o conceito de sustentabilidade,‭ ‬isto é,‭ ‬a plena responsabilidade com o meio ambiente e a sociedade em toda a cadeia do vinho, das videiras à distribuição do produto.‭ ‬Nada contra‭!

Se tudo isso é muito novo,‭ ‬vale lembrar que foi justamente a vinicultura que encontrou uma solução orgânica para uma das pragas mais devastadoras da história,‭ ‬a Filoxera. Qualquer pessoa que tenha feito pelo menos um curso de vinho conhece o assunto.‭

Filoxera é um pulgão de origem norte-americana que destruiu grande parte dos vinhedos do mundo em meados do século XIX.‭ ‬Combateram a praga com todos os inseticidas possíveis sem quaisquer resultados.‭ ‬A economia francesa sucumbiu. Os vinhedos mais prestigiados do mundo definharam. Até hoje não existe defensivo agrícola para a Filoxera.‭

A solução encontrada para salvar o vinho foi puramente empírica. A sua base científica seria publicada alguns anos mais tarde: A Teoria da Evolução de Darwin. Observou-se que as uvas americanas resistiam à Filoxera.‭ ‬Por que‭? ‬Como o inseto era natural da região,‭ ‬a convivência dos dois, insetos e vinhas, promoveu a chamada seleção natural.‭ ‬Ou seja,‭ ‬num passado muito remoto,‭ ‬havia videiras mais ou menos resistentes ao inseto.‭ ‬As menos resistentes foram extintas,‭ ‬as mais resistentes sobreviveram e se multiplicaram.‭ N‬o decorrer do tempo,‭ ‬os insetos foram selecionados pela capacidade de se alimentar das videiras; e essas pelos seus mecanismos de defesa.‭

Quando a Filoxera chegou acidentalmente à Europa, encontrou videiras que não passaram por esse longo processo, logo, sem defesas. Por isso, murcharam até morrer. ‭Como a seleção natural pode ter levado muitos séculos e não se conhecia a manipulação genética, ‬a única solução possível foi replantar as uvas americanas em quase todo o mundo.‭ ‬Feriu profundamente o orgulho dos franceses. Até hoje, toda videira francesa é plantada sobre uma americana. Solução 100% eficaz e natural.

In vino veritas: Charles Darwin é o verdadeiro Papai Noel.

Boas festas, um ótimo 2010 e saúde!



Foto: O Château de Suze-la-Rousse e as suas videiras. O castelo da Drôme (entre Lyon e a Provence) é sede da Universidade do Vinho.


Sunday, December 20, 2009

Cop15

Sarkô voltou de Copenhagen ainda menor. A imprensa local está chamando o Cop15 de G2, criticando o papel marginal da Europa no encontro. Na prática, todo mundo perdeu. E o que importa não é a classe política, mas o planeta. A nossa Terra. Afinal, como diz o Monde, não temos um "Planeta B".

Teremos duas reuniões para buscar um novo acordo, Alemanha e México. Até lá, o mundo não vai acabar nem ficar mais quente, pois independentemente da classe política, a sociedade está cada vez mais vigilante e atuante. Há uma grande mobilização planetária para a redução do consumo de energia, para a energia limpa, para a reciclagem, etc.

Dá para fazer muita coisa sem depender dos nossos pequenos líderes, no âmbito das ONG, na esfera privada ou mesmo na pública, onde inúmeros políticos já aderiram à causa da sustentabilidade.

Embora a China e os Estados Unidos estejam em posições de confronto, isso não significa que as duas nações mais poderosas do planeta estejam paradas. Não é preciso comparar Obama com o seu antecessor. E a China, por sua vez, tem um programa gigantesco de remodelação da matriz energética, feito à sua maneira, mas melhor do que nada.

Enfim, 2010 está aí. Dificilmente a comédia de erros do Cop15 vai se repetir. Enquanto isso, façamos a nossa parte.


Foto: Em Lons-le-Saunier, a Rue du Commerce com suas famosas arcadas.

Wednesday, December 16, 2009

Bala perdida

Bala perdida na França. E não é a primeira vez! As circunstâncias não são exatamente as mesmas que encontramos nas ruas paulistas e cariocas. Foi durante a última temporada de caça aos javalis. Não é incomum que uma bala ou outra escape dos domínios onde a prática é autorizada. Bons tempos em que Asterix e Obelix os caçavam com recursos menos sofisticados.

Segundo estudos arqueológicos recentes, foi a supremacia da artilharia que proporcionou a vitória romana diante dos gauleses. Esqueçam a disciplina tática, capacidade de guerrear e o preparo físico. Os gauleses eram muito bons de briga e até bem equipados. Não foi à toa que resistiram tanto tempo!

Remexendo-se os esqueletos dos celtas e com o uso de tecnologia moderna, constatou-se que a eficácia da artilharia romana fez a diferença: Flechas muito poderosas, catapultas e balistas. Aproximadamente 90% dos corpos gauleses apresentam traços deixados por tais armas.

Há muito exagero na forma em que caracterizamos romanos, gauleses e mesmo os bárbaros. Alguns estereótipos talvez tenham finalidade didática, entretanto, as fronteiras geográficas, temporais e culturais das civilizações são muito mais tênues do que aprendemos na Escola.


Foto: Uma outra tomada do Château d'Arlay, com destaque para o seu jardim florido.

Saturday, December 12, 2009

Revista do cinema - S2/2009

Final de ano, hora da revista cinematográfica do segundo semestre de 2009. O campeão, o filme austríaco "A fita branca" já mereceu um post exclusivo em 7/11/09. O vencedor da Palma de Ouro é um filme de outra categoria, uma obra de arte. O resto é divertimento.

Entre as melhores diversões, finalmente posso destacar três filmes franceses. "Le concert" é uma excelente comédia em torno do Concerto para Violino de Tchaikovsky. Pena que o filme abusa do pastelão, poderia ter sido ainda melhor. Talvez seja exatamente por isso que caiu nas graças do público. A atriz Melanie Laurent (Inglorious basterds) faz dupla com o russo Alexei Guskov. Outro filme de temática russa, "L'affaire Farewell" conta uma história real de espionagem do fim da URSS. Destaque para uma dupla de atores ainda melhor: O excepcional Emir Kusturica e Guillaume Canet. Apesar das duas ótimas histórias, o melhor filme francês do ano foi "A l'origine", que conta como um malandro deu um golpe numa cidade inteira. Todos esses filmes chegarão ao Brasil daqui a alguns meses, mas num circuito muito reduzido. Recomendo os três.

Entre os americanos, apenas duas comédias bem diferentes: Os últimos filmes de Woody Allen e Quentin Tarantino. "Whatever works" é daqueles filmes de Woody Allen dos bons tempos. Até que enfim um bom intérprete para o papel de judeu neurótico de NY, Larry David, o lendário produtor de Seinfeld. Já o filme de Tarantino dispensa comentários, tamanha a sua repercussão.

Decepcionado com a nova criação de Jean-Pierre Jeunet (de "Amélie Poulain"), "Micmacs à tire-larigot". Apesar da presença do comediante mais popular da França (Danny Boon) e do melhor ator (André Dussollier), o filme é totalmente infantil. O mesmo Dussolier emprestou seu talento ao último filme de Alain Resnais, "Les herbes folles", que deixa a desejar.

*** Das weisse Band - AUT - Michael Haneke

** Whatever works - USA - Woody Allen
** A l'origine - FRA - Xavier Giannoli
** Le concert - FRA - Radu Mihaileanu
** Inglourious basterds - USA - Quentin Tarantino
** L'affaire Farewell - FRA - Christian Carion

* The reader - USA - Stephen Daldry
* The informant - USA - Steven Soderbergh
* Les herbes folles - FRA - Alain Resnais
* Micmacs à tire-larigot - FRA - Jean-Pierre Jeunet
* Le syndrome du Titanic - Jean Albert Lièvre/Nicolas Hulot
* Public enemies - USA - Michael Mann
* Bancs publics - FRA - Bruno Podalydès
* State of play - USA - Kevin Macdonald
* Ice age: Dawn of the dinosaurs - USA - Carlos Saldanha


Foto: Perto de Lons-le-Saunier (Franche-Comté), o Château d'Arlay. O castelo do século XVIII não é historicamente dos mais relevantes, mas o conjunto merece ser visitado. Jardins, parque e o centro de criação de aves de rapina são uma atração considerável.

Friday, December 11, 2009

Um post de merda

Se o Presidente pode falar merda em seu discurso, eu também posso fazer um post de merda! Ou melhor, sobre merda. Ainda melhor, sobre merde.

O francês é mais generoso com a merde do que o português com a merda. Se em ambos idiomas a palavra é considerada vulgar, no francês, merde é mais bem aceita. Mais incluída, talvez. Não só é usada no dia a dia, como possui uma ampla família de derivados, igualmente comuns. Vejam só os verbos:

Démerder: Se virar
Emmerder: Incomodar, aborrecer
Merder: Errar, estragar
Merdoyer: Variante de merder

Enfim, é muito difícil passar um dia sem utilizar algum dos derivados de merde. E eu já estou tão acostumado que nem liguei para o discurso do Lula. Aliás, palavrões combinam com ele.

Desde que foi eleito Presidente, Sarkô nunca pronunciou merde. Ele tem razões pessoais para evitar o vulgar vocábulo. Seu nome de origem húngara significa "na merda". Quelle merde!


Foto: O monumento a Rouget de Lisle em Lons-le-Saunier (Franche-Comté). Rouget é o autor da Marselhesa, que tem muito sangue, mas não tem merda.

Tuesday, December 8, 2009

Trem bão

Passando pelo Brasil, uma notícia chamou minha atenção: A licitação para o trem-bala Campinas-São Paulo-Rio está a caminho. Finalmente!

Como assíduo usuário de trens de alta velocidade, faço os seguintes comentários:

1 - Falam em 8 estações. Quero crer que as estações sejam usadas de forma alternada. Ou seja, alguns trens param em São José, outros em Taubaté, outros em Resende, mas nunca mais de duas paradas por viagem. O que adiantaria um super trem que viaja a 350 km/h fazendo tantas paradas? A viagem Lyon-Paris passa por muitas estações, mas o trem vai direto ou faz apenas uma parada. O custo de se acelerar ou desacelerar o gigante é enorme! Ainda no TGV, o trem desliga os motores a uns 50 km de Lyon: O resto da viagem é "na banguela".

2 - Falam em 2h de viagem. Considerando-se que a passagem do trem bala não será barata, pois a manutenção é caríssima, por que então abandonaríamos a ponte aérea? A opção Congonhas / Santos Dumont com meia hora de viagem e meia hora de espera no aeroporto ainda é bem melhor do que a alternativa Estação da Luz / Central do Brasil. A menos que o governo feche Congonhas em nome da sustentabilidade!

3 - O BNDES vai pagar a maior parte. Não tem como fugir disso. O investimento é pesadíssimo. Se vocês leram que a empresa que opera os trens franceses (SNCF) tem lucro, saibam que o investimento nas linhas férreas está em outra empresa (RFF), que possui dívidas monstruosas. A França sabe disso. Está consciente dos custos e dos benefícios de ter a maior malha ferroviária de alta-velocidade do mundo. A opção ferroviária é uma questão de Estado.
 

Foto: Saindo da Normandia, um passeio dominical em Lons-le-Saunier, cidade da Jura, região de Franche-Comté. O teatro mostrado na foto é uma das atrações da cidade natal de Rouget de Lisle, o autor da Marselhesa.

Monday, December 7, 2009

Home pit-stop 2

Depois do trágico acidente do vôo Rio-Paris, a Air France parece estar mais rigorosa com os aspectos de segurança. Em meio a tantas viagens, já enfrentei muitas horas de atrasos, conexões e malas perdidas. Entretanto, a experiência de um dia inteiro de atraso era nova para mim.

No vôo Paris-São Paulo, foi detectada uma pane no 777 quando sobrevoávamos Portugal. O piloto recebeu a instrução de voltar para Paris. A espera levou 24hs. Todos os demais vôos estavam lotados, não havia como redistribuir os passageiros.

O atraso de um dia pode atrapalhar muita gente. A grande maioria dos viajantes reagiu com calma absoluta. A única exceção foi uma francesa que subiu no palanque e começou a discursar contra tudo e contra todos. Como eu sei que a AF tem uma frota muito bem mantida e esse tipo de evento tem acontecido com mais frequência, concluo que eles apertaram seus critérios de segurança. Como compensação, recebi um pacote generoso de milhas e a seguinte explicação da companhia:
 
"Uma falha em alguns visores da cabine de comando foi detectada durante o vôo, situação esta que levou o Comandante de Bordo, em conformidade com as regras de segurança em vigor, a retornar ao aeroporto de Charles-de-Gaulle a fim de que pudéssemos efetuar as verificações técnicas. Com efeito, sua segurança é nossa maior prioridade. Vimo-nos, desta forma, na necessidade de adiar a partida de seu vôo para o dia seguinte."

 
Foto: O castelo renascentista de Fontaine-Henry é um dos mais antigos e importantes da Normandia. A aparência atual é fruto da reconstrução do século XVI e alguns ajustes mais recentes. A família Tilly e seus descendentes ocupam a propriedade há cerca de mil anos!

Saturday, December 5, 2009

Home pit-stop 1

Depois de uma ausência de quase duas semanas, espero retomar meus posts com mais regularidade. O motivo da interrupção foi uma passagem por São Paulo. Em poucos dias na cidade, peguei mais congestionamentos do que o ano inteiro em Lyon.

Como visitante, tenho feito grande parte dos meus deslocamentos de táxi. Ainda bem, pois indo pela faixa de ônibus, consigo salvar algumas boas horas. A última sexta-feira de novembro foi inesquecível. Fiz uma viagem Faria Lima-Berrini (trecho de 3km) em 90 minutos. Não foi pior por que eu abandonei o táxi e continuei caminhando. Sexta-feira à tarde com chuva e show do AC/DC só poderia dar nisso. Saudades da França!


Foto: Outra tomada das belíssimas falésias de Etretat.

Sunday, November 22, 2009

O pestinha

Vai para o Panteão ou não vai? Entre políticos e intelectuais, a discussão do momento é se os restos mortais do grande escritor e filósofo Albert Camus devem ser transferidos para o Panteão. Lá, poderão ficar ao lado de Victor Hugo, Alexandre Dumas e Emile Zola, entre vários heróis e expoentes da cultura francesa.

A obra de Camus é incontestável: O mito de Sísifo, A peste, O estrangeiro, A queda e tantos outros. Pensando bem, por que Camus e não seu desafeto Sartre? Por que Descartes e Balzac não estão no grande templo republicano parisiense?

A decisão é puramente política. No caso, o pestinha Sarkô quer criar um fato político. Camus é um "pied noir", ou seja, um argelino descendente de franceses e repatriado à França. A Argélia é uma mácula na história da França, algo que foi mal resolvido e ainda desperta muito ressentimento. Sarkô, com popularidade em baixa, precisa de bondades para serem capitalizadas.

A obra de Camus é universal e merece esta honraria. Estar no Panteão é a maior das homenagens póstumas da França. Apesar de sua família ter acordado com a homenagem, tenho minhas dúvidas se ele mesmo aceitaria participar desta encenação.


Foto: Outra tomada das belíssimas falésias de Etretat.

Thursday, November 19, 2009

Entre taças e copas

Com a classificação para a Copa garantida, o povo foi às ruas comemorar. Fizeram muita bagunça. Evidentemente, estou falando sobre a classificação da Argélia.

A imprensa cobria a seleção da França, mas o povo estava preocupado com a Argélia. Aqui é assim mesmo, a França tem que rezar para não cruzar com Argélia, Tunísia ou Marrocos, para não ver a Marselhesa sendo vaiada em casa.

Eu não acompanhei a campanha de classificação da Argélia nem do Brasil. Só a da França. As imensas dificuldades desta seleção não significam que o time que tirou o Brasil da última Copa não possa aprontar de novo. Trata-se de uma equipe muito instável. Thierry Henry, num dia de muita inspiração, pode desequilibrar qualquer jogo, com ou sem mão na bola.

Ouvi barulhos e fogos quando acabou o jogo da Argélia. Não houve nada de especial após o jogo da França. O silêncio noturno só foi interrompido à meia-noite, quando os fogos de artifício em Lyon anunciavam a chegada do Beaujolais Nouveau 2009. A safra 2009 saiu bem acima da média. Agora resta saber se os japoneses e americanos vão comprar os mesmos volumes do passado. Na foto, o rótulo da garrafa que eu acabei de trazer do supermercado. Santé!

Wednesday, November 18, 2009

Sushina

Os restaurantes japoneses estão em todos os lugares. São Paulo tem o privilégio de contar com uma vasta comunidade de origem nipônica. Sorte! Pois entre as centenas de restaurantes, existem alguns excepcionais. Já na França, a história é diferente.

A oferta de comida oriental sempre foi bem mais variada por aqui. Até pouco tempo, havia uma distribuição equilibrada de japoneses, chineses, vietnamitas, coreanos, tailandeses, cambojanos, etc. Era assim até a vigilância sanitária apertar o cerco. Um sem número de restaurantes foram fechados e quase todos japoneses se salvaram.

Para os antigos proprietários, a solução foi reabrir seus estabelecimentos adotando a prestigiada gastronomia japonesa. Eles aprenderam a lição. A cozinha está mais limpa. O cenário é bem japonês, mas os funcionários são todos "made in China".


Foto: Típica cidade normanda, Avranches guarda os manuscritos da Abadia do Monte Saint Michel. A foto foi tirada do museu que abriga estes documentos, de onde também se avista o monte.

Saturday, November 14, 2009

Corridinha invernal

Correr quando a temperatura esta próxima de zero graus não é tão difícil. O difícil é tomar coragem para tal! Como as roupas térmicas estão cada vez melhores e, por que não dizer, mais baratas, o maior risco é passar calor e não "morrer de frio".

Para cada condição climática há uma combinação correta de agasalhos. No caso mais extremo, três peças: Uma primeira pele, o agasalho em si e um blusão corta-vento. Enfim, dá para se enfrentar -15 a -20 graus, mantendo-se toda a mobilidade e conforto para uma boa corridinha.

Até o começo de outubro, consegui correr de calção e camiseta, como fazia no Brasil durante o ano inteiro. A partir do final de outubro, o jeito foi mudar o guarda-roupa esportivo. Uma das marcas mais conceituadas é a Odlo. Mas, quem quiser gastar (muito) menos, tem uma linha bem razoável na Decathlon.

A outra pequena inconveniência das corridas de inverno é que há mais peças para serem lavadas depois da atividade esportiva. Claro, isso é frescura de brasileiro. Os franceses não têm esta preocupação.


Foto: O Monte Saint-Michel visto da estrada. A abadia é o principal ponto de atração francês fora da região parisiense (mais de 3 milhões de visitantes anuais). O rochedo é local de peregrinação cristã desde o século VIII e a abadia começou a ser construída no século X. Notem que Saint-Michel em português é São Miguel Arcanjo.

Site oficial: http://mont-saint-michel.monuments-nationaux.fr/

Thursday, November 12, 2009

Sarkô e as suas negas

O Presidente não dá mesmo sorte com as afrodescendentes. Marie NDiaye, ganhadora do Prix Goncourt 2009, o mais importante da literatura francesa, expressou o seu descontentamento com a França dos dias de hoje. Após receber o prêmio, disse que a posse de Sarkô foi um dos fatores que mais pesaram na sua decisão de se mudar para Berlim.

Para completar, um político ligado a Sarkô sugeriu que artistas com tal honraria tivessem uma certa reserva perante o público. Marie estava até pensando em recolocar as suas declarações, mas depois dessa, todo mundo virou-se contra o político e seu partido. Considerando-se a importância do Goncourt, Sarkô vai ter que engolir!

Marie NDiaye foi apenas um episódio. Pior mesmo é a Ministra dos Esportes Rama Yade. Ao longo dos primeiros anos da gestão de Sarkô, ela mostrou que não se curvaria a todas as demandas do Presidente e do Primeiro Ministro. Quase no limite da insubordinação, o comportamento só multiplicou a sua popularidade. Hoje, ela é a número um no quesito. Sarkô não tem muito a fazer. Uma possível demissão a transformaria numa heroína.


Foto: Arromanches, cidade famosa pelos dois portos artificiais construídos a partir do Dia D (Mulberry Harbours). Os restos das estruturas metálicas ainda estão na praia e são a grande atração.

Sunday, November 8, 2009

Pink Waterman

No meu recente post sobre igualdade, tomei cuidado para ficar só nas minorias étnicas e não comparar os papéis dos homens e das mulheres na sociedade. Até por que, como disse uma ministra francesa, as mulheres não são minoria. Pelo contrário, são maioria!

As mulheres são maioria nas funções menos qualificadas e no emprego temporário. Mesmo com um nível de educação médio superior ao masculino, quando se trata das funções mais nobres, a sua presença diminui. E com salários menores.

O problema é complexo. A França já possui várias leis protegendo as mulheres. Talvez, o excesso de proteção seja um tiro no próprio pé. Um exemplo: As mulheres com filhos podem ficar em casa todas as quartas-feiras, pois eles não têm aulas. 20% dos dias a menos num país com praticamente dois meses de férias faz diferença!

Na primeira fase do seu governo, Sarkô tinha seu ministério igualmente dividido entre homens e mulheres. Talvez agora ele dê um belo golpe eleitoral. Seu governo igualitário, porém "macho", vai resolver o problema: A França imporá uma cota de 40% de participação feminina nos conselhos de administração das empresas públicas e privadas abertas. A medida tem ainda alguns anos para entrar em vigor. Por enquanto, já estão estudando a forma de punir as empresas que não cumprirem as regras.

As mulheres merecem, mas essas canetadas demagógicas são perigosas.


Foto: O castelo normando de Balleroy, do século XVII, passaria despercebido senão fosse cuidadosamente mantido pelo magnata americano Malcom Forbes, que o adquiriu nos anos 70. O castelo é assinado por Mansart. Os jardins, por Le Nôtre. A decoração interior ficou por conta do americano e seu especial gosto pelo balonismo.

Saturday, November 7, 2009

Palma de Ouro

O falecimento de Anselmo Duarte, único brasileiro agraciado com a Palma de Ouro, me inspira a fazer uma breve nota sobre o vencedor de 2009. Quem foi à mostra de cinema de SP ou RJ talvez tenha visto "A fita branca" ("Das weisse Band") de Michael Haneke, uma produção austríaca.

Pelo que entendi, o filme entrará em cartaz no Brasil no finalzinho de 2009 ou começo de 2010. Bom para vocês, meus leitores! Enquanto milhões de manés vão fazer fila para ver o filme sobre o Lula, vocês poderão assistir cinema de verdade, algo raro nos dias de hoje.

Na Europa, o filme já está no final de temporada. Eu o assisti hoje à tarde. Duas horas e meia de filme P&B, ambientado numa vila rural protestante do norte da Alemanha, tem tudo para ser chato. Ao contrário, mantendo um clima de suspense, o filme tem momentos trágicos e muito tocantes. Se contar mais, estraga. Confiem no juri do Festival de Cannes!



Foto: Falando em Alemanha, lá vai uma peça de artilharia em bom estado de conservação, como muitas que encontramos especialmente em Longues-sur-Mer. O conjunto faz parte da recepção aos aliados montada por Hitler na Normandia.

Thursday, November 5, 2009

Égalité

O espírito igualitário da Revolução Francesa ainda me surpreende no dia a dia. Anos-luz do que eu conheci no Brasil. Só tem um detalhe: Em 1789, a igualdade foi estabelecida entre brancos. Os revolucionários de todos os naipes não prepararam a nação modelo de república e democracia para os milhões de árabes que nela se abrigariam quase dois séculos depois.

Apesar dos esforços, os bolsões de pobreza estão por aí, nas periferias de Paris, Lyon e Marseille. Nada comparado com as favelas brasileiras, mas muito longe do ideal de igualdade de outrora. Os conflitos de rua de alguns anos atrás mostraram a ferida para o mundo inteiro. A ascensão de Obama também evidenciou que falta alguma coisa no sistema francês.

Ministérios não faltam. Tem o Comissariado da Diversidade e Igualdade de Oportunidades e o Ministério da Imigração e Identidade Nacional. Este último, por exemplo, lançou um debate público sobre o que é ser francês. Apesar das críticas, muita gente o tem apoiado. Com o grande contingente de imigrantes, a questão faz sentido. Antes explorada pelo governo, do que manipulada pela extrema direita.

Já o Ministério da Diversidade tem proclamado medidas cosméticas. A França acaba de impor o CV anônimo, no qual o nome, o sexo, a nacionalidade e a idade dos candidatos são omitidos. A eficácia desta medida é questionável. Politicagem!

Integração e igualdade de oportunidades estão entre os assuntos mais complexos da humanidade. Não há soluções perfeitas. O que importa é a real vontade de se integrar as populações marginalizadas, mas sem fisiologismo, aqueles agrados que rendem votos e apenas empurram o problema mais para frente.

Foto: A última foto de Bayeux, uma tomada da Catedral Notre-Dame, do século XI. A tapeçaria de Bayeux ficou exposta na Catedral durante oito séculos.

Sunday, November 1, 2009

Bayeux

Pela imagem do antigo seminário de Bayeux (foto acima), não podemos deduzir o que ele esconde. Na viagem pela Normandia, em pleno mês de agosto, foi o único lugar em que enfrentei fila. Meia hora de espera! Nem o Monte Saint-Michel tinha fila.

O local abriga a famosa Tapeçaria de Bayeux, um bordado do século XII, com 70 metros de comprimento, que conta um capítulo importante da história: A conquista da Inglaterra pelo normando Guilherme em 1066. Antes da conquista, ele era Guilherme o Bastardo. Depois, Guilherme o Conquistador. "Quelle différence!" Depois dele, ninguém mais tomou a Inglaterra.

O museu abriga basicamente a tapeçaria, que leva pelo menos 40 minutos para ser vista. A peça de lã está muito bem conservada e, sem dúvidas, merece a visita.

Encontrei um vídeo muito interessante, com uma versão animada:
Clique aqui http://tinyurl.com/yextpud

Para uma descrição das cenas:
Clique aqui http://tinyurl.com/4rmdsj

Para o site oficial:
Clique aqui http://tinyurl.com/yjqgjd6

Como eu já havia antecipado, uma parte desta história está viva até hoje. O idioma inglês incorporou milhares de palavras latinas pela influência normanda. Por alguns séculos, a Inglaterra ficou dividida em termos linguisticos: Os nobres falavam francês e latim. A plebe, inglês. A tapeçaria, por exemplo, tem texto em latim.

O detalhe é que Guilherme não falava exatamente francês, mas normando. Entre as diferenças mais conhecidas entre o francês e normando da época, o G e o W: Guillaume X William, guerre X war, garde-robe X wardrobe, guarantie X warrant, etc. Notem que, neste último caso, o inglês absorveu a palavra warrant do normando e, tempos depois, guarantee, direto do francês. Os exemplos não param por aí. Já o meu post, termina aqui. A propósito, em inglês: finish (origem latina via francês), terminate (origem latina direta) e end (origem germânica).

Thursday, October 29, 2009

Revoluções

Enquanto a revista do Figaro fala sobre Asterix, a do Le Monde fala das dez revoluções que acontecem na França. Eu as apresentaria de forma diferente, porém, não deixaria de concordar com quase tudo que foi escrito. Minha primeira reação foi compará-las com o que acontece no Brasil. Aí vão as notas e comentários sobre as revoluções francesas de 2009:

1) Separamos o lixo: Na França, a reciclagem está a caminho dos 70% do lixo total, um índice bem razoável. Depois que me acostumei a separar o lixo, fica difícil jogar uma garrafa PET e casca de banana no mesmo cesto. Para evitar aqueles comentários irônicos do meu post “Saco!”, as coletas do lixo comum, do reciclável e do vidro são independentes. Perfeito! Só não descobri aonde jogo as lâmpadas incandescentes.

2) Não precisamos mais possuir as coisas: Fenômeno mundial de transformação de certos produtos em serviços. A tendência é forte em tudo que é relacionado à tecnologia da informação e conhecimento, mas vai se replicando para outros setores da sociedade. Exemplo recente são as bicicletas públicas das cidades francesas: Pega-se numa esquina e deixa-se em outra.

3) Não vivemos sem conexão: Seja via celular ou micro, não dá para abrir mão do e-mail, SMS, redes sociais, etc. Existem 1,1 bilhão de pessoas conectadas à Internet. Ainda falta muita gente, mas isso já é 95% do PIB do planeta.

4) Largamos a TV: Pelo menos, na França, a audiência caiu brutalmente. Não faltam opções e, de alguma forma, o fenômeno está ligado ao item anterior. Considerando que todas as TVs do mundo estão sujeitas a uma certa manipulação, é uma vitória democrática.

5) Queremos tudo de graça: Eu até concordo com a tendência, mas talvez escrevesse de outra forma. A verdade é que quase ninguém tem pago por música. Muita gente não tem pago por filmes. E, logo mais, com a popularização dos leitores eletrônicos, não vão pagar por livros. E o jornalista do Le Monde que escreveu isso vai perder o empreguinho dele. O mundo está buscando um novo modelo de comercialização e remuneração do conteúdo cultural.

6) Largamos o carro: Só na Europa! A combinação de medidas que punem o uso do carro (e.g. pedágios urbanos) com o transporte público que funciona faz com que o carro seja um mico. Não é incomum encontrar europeus que não sabem dirigir. Quanto às Américas, ainda tem muito chão pela frente.

7) Comemos de maneira diferente: O governo francês promove o consumo de frutas e legumes. Ainda tem os produtos orgânicos, cuja oferta não para de crescer. Enfim, acho que é uma tendência mundial, mas andando em ritmos diferentes através do mundo.

8) Não enchemos mais o carrinho do supermercado: O hábito da grande compra semanal ou mensal no hipermercado tem diminuído muito. Não é bem por causa da crise, mas por que o varejo de proximidade cresceu e aprendeu ser competitivo. Enfim, é mais pratico e ecológico comprar perto de casa, sem grandes filas, mesmo que duas ou três vezes por semana, do que ir até o Carrefour da periferia. Parece algo bobo, mas afeta o dia a dia de quase todos.

9) Compramos mais usados: A credibilidade do mercado de segunda mão foi restaurada pela Internet. Por que não?

10) Voltamos ao centro das cidades: Já com alguns anos, a atratividade dos centros urbanos é maior do que a periferia, onde ficam os grande bolsões residenciais. O transporte acaba pesando no bolso de quem vem de longe. A tendência é limitada pela própria disponibilidade de imóveis nos já caros centros das cidades européias.


Foto: Um cantinho no centro de Bayeux, às margens do Aure. A cidade normanda foi uma das poucas que saíram intactas da Segunda Guerra.

Monday, October 26, 2009

50 anos de Asterix


O próximo‭ ‬29‭ ‬de outubro marca os‭ ‬50‭ ‬anos de Asterix e sua turma.‭ ‬Além das comemorações habituais,‭ ‬como a incrível homenagem da esquadrilha da fumaça francesa‭ (‬Clique aqui e veja até o fim‭)‬,‭ o mais importante para os seus fãs ‬é o lançamento do novo álbum, o trigésimo quarto.‭ ‬Mesmo com o falecimento de René Goscinny em‭ ‬77,‭ ‬Albert Uderzo continuou a obra.‭ ‬Goscinny era o autor do texto e Uderzo,‭ ‬o desenhista.‭

Em se tratando de Asterix, as centenas de milhões de álbuns vendidos não são o aspecto mais notável. A criação de Goscinny e Uderzo marcou algumas gerações. As referências à resistência gaulesa face aos romanos, tão frequentes aqui na França, foram certamente reforçadas pelo personagem símbolo nacional. O texto de Goscinny é brilhante e emprestou inúmeras expressões à linguagem corrente. Goscinny também contribuiu na criação de outros ícones da cultura francesa como: Petit Nicolas,‭ ‬Lucky-Luke,‭ ‬Iznogoud, entre outros.

Imagino que vocês certamente encontrarão algumas matérias na imprensa brasileira.‭ ‬Termino o post por aqui,‭ ‬antes que o céu caia sobre as nossas cabeças!

Alguns links:


Foto: Diante da Abadia dos Homens, as ruínas da igreja de Saint-Étienne-le-Vieux, em Caen, Normandia.

Friday, October 23, 2009

The Ugly, The Bad and The Worse - Parte II

Paquistão 2002

Poucos meses depois do 11 de setembro, um grupo de franceses chega a Karachi. São onze engenheiros navais que dão assistência técnica como parte do acordo de venda de submarinos ao Paquistão, ocorrido em 1994. Uma violenta explosão mata todo o grupo. Todos apontam para o terrorismo islâmico, sendo o suspeito número um, a Al-Qaeda.

O Paquistão conseguiu localizar e condenar alguns dos envolvidos. Mesmo assim, o atentado foi muito estranho. Um grupo de engenheiros franceses no Paquistão não era o alvo típico do terrorismo islâmico em 2002. O mistério tortura os parentes das vítimas até hoje .

Anos depois, a própria investigação trouxe mais detalhes. A França vendeu os submarinos ao Paquistão graças a polpudos subornos às autoridades locais. Subornos pagos à vista e a perder de vista. A prática era tão aberta que até constava no contrato. Porém, um acordo da OCDE de 2000 tentou banir esta forma de corrupção tão globalizada. Com o governo francês comprometido com as novas regras, a mesada dos milicos paquistaneses foi suspensa. O atentado de Karachi foi pura vingança. Nada a ver com a Al-Qaeda.

Bem, a história não é das mais dignas. De qualquer modo, a França corrigiu uma prática incorreta. Então, por que esconder a verdade sobre o atentado durante anos? Por uma razão simples, isso não é tudo. E se é difícil conseguir provas de escândalos que acontecem só em Brasília, imaginem buscá-las no democrático Paquistão.

Há evidências de que o mensalão do Paquistão tenha sido "superfaturado". Ou seja, suponhamos que os oficiais daquele país tenham solicitado um suborno de X. A França deu 2X, com a condição de que eles devolvessem X numa conta secreta. A tal conta serviu para financiar campanhas políticas, em especial, a de Édouard Balladur, candidato presidencial em 1995 contra Jacques Chirac. Notem que o esquemão de financiamento de campanhas é o mesmo no mundo inteiro.

Que sujeira, hein? Ainda assim, o Balladur é coisa do passado! Por que tanto segredo? Não seria melhor ter jogado limpo e contado tudo para as famílias e o povo. O pequeno detalhe é que o tesoureiro de campanha do Balladur e arquiteto da operação era ninguém menos que Nicolas Sarkozy.

Enfim, uma história trivial do mundo político atual, que ganhou um toque trágico e veio à tona por causa dos onze mortos. Quanto ao Sarkô, ele jura que não sabia de nada.


Foto: Em Caen, o castelo de Guilherme, o Conquistador. O castelo é contemporâneo ao histórico feito de Guilherme, a tomada da Inglaterra. Evidência ainda viva desta conquista é o próprio idioma inglês, que absorveu uma enormidade de palavras latinas, pela via normanda. A construção quase milenar ocupa uma grande área no centro da cidade. De fato, é um dos maiores castelos da Europa com 5,5 hectares. Foi especialmente danificado durante a Guerra dos Cem Anos e a II Guerra Mundial. Hoje, é um grande espaço cultural, com Museus e exposições.


Tuesday, October 20, 2009

The Ugly, The Bad and The Worse - Parte I

Dois eventos terrivelmente mortais ainda estão na memória recente da França. Um atentado que matou onze engenheiros no Paquistão e uma emboscada que tirou a vida de dez soldados no Afeganistão. Apesar do contexto de insegurança daquela região do planeta, os dois casos foram surpreendentes. As famílias das vítimas ainda aguardam as explicações definitivas, que talvez jamais sejam comprovadas.

Afeganistão, 2008

Além de não ter participado da campanha contra o Iraque, a França havia se retirado do Afeganistão. Sarkozy, num esforço de reaproximação com os EUA e a OTAN, enviou novas tropas ao Afeganistão. A França ocuparia uma área relativamente calma, sem histórico de confrontos contra o Talibã. As tropas francesas estavam fazendo muito mais patrulha do que guerra. Melhor assim, pois qualquer baixa precoce poderia atrapalhar a vontade de Sarkozy de cooperar com os seus aliados.

E foi logo no início das operações que a França foi surpreendida. Naquela área supostamente calma, os talibãs emboscaram uma patrulha de dez soldados, que foram assassinados. Não levaram apenas chumbo grosso, foram mutilados e torturados. De onde vieram esses talibãs? Por que tanta raiva?

Não há como se esconder as baixas. O governo tentou abafar as notícias sobre as condições em que os corpos foram encontrados. Tentou. As condições anormais desta emboscada levaram a investigações adicionais.

As tropas francesas foram para uma área ocupada anteriormente pelas tropas italianas, que foram realocadas. O que ninguém sabia é que a paz encontrada pelos italianos era na verdade fruto de um acordo super secreto. A Itália estava pagando uma boa mesada aos talibãs, a fim de se evitar qualquer conflito. Acredite, se quiser!

Ao serem substituídas, as tropas italianas interromperam o pagamento e não avisaram os franceses da existência desse acordo. Os soldados franceses que faziam um "passeio" nunca imaginariam que seriam brutalmente assassinados pela cobrança de uma dívida que mal conheciam.

Evidentemente, os italianos negam e vão negar a história até o fim. Berlusconi diz que não sabia de nada.



Foto: No centro de Caen, a bela e grandiosa Abadia dos Homens, onde também funciona o Hôtel de Ville. A cidade de Guilherme o Conquistador foi praticamente destruída (70%) na Segunda Guerra. Se sobraram alguns dos tesouros do seu patrimônio, é por que antes havia muito mais. Clique aqui para ver uma foto histórica da vista a partir do castelo de Guilherme logo após a guerra. Note que a Abadia dos Homens, intacta, é bem visível na foto.

Fico até sexta do outro lado da Mancha, depois volto com a segunda parte. Até breve!

Monday, October 19, 2009

La Cage aux Folles

La Cage aux Folles está de volta! Pude assistir ao espetáculo neste domingo em Paris. Apresentar a Gaiola das Loucas é desnecessário. Graças ao sucesso dos filmes inspirados na peça, um dos marcos do teatro francês dos anos 70, a história é bastante conhecida.

O elenco original tinha Jean Poiret (o autor) e Michel Serrault. Este último fez dupla com Ugo Tognazzi na primeira adaptação cinematográfica. A produção foi italiana pois a temática do filme ainda causava um certo constrangimento na França.

O filme teve duas continuações e um "remake" americano de Mike Nichols, com Robin Williams e Gene Hackman. Talvez, esse ainda esteja na memória de alguns dos leitores deste blog.

Mesmo tendo visto as duas adaptações para o cinema, o espetáculo ao vivo é especial. Além do mais, é começo de temporada, então o elenco é de primeira. E o público também. O casal Sarkozy estava na mesma sessão. Nada como um espetáculo duplo: A Gaiola das Loucas no palco e A Bela e a Fera na platéia!


Foto: Uma tomada da Igreja Santa Catarina, em Honfleur. Restam poucas igrejas de madeira na França e esta é a maior delas. Notem que o campanário fica separado do resto da igreja. A construção começou no século XV, mas muita coisa foi acrescida ao longo dos dois séculos seguintes. Foi feita em madeira, pois a comunidade local, castigada pela Guerra dos Cem Anos, não tinha outra opção.

Saturday, October 17, 2009

La Mauvaise Vie 2

O escândalo Miterrand é um acidente de percurso. Em tese, poderia acontecer com qualquer estadista. O desafio do governo e da oposição é lidar com a situação com o cuidado que ela merece. No caso, teve gente da oposição, da extrema esquerda, que escorregou feio, demonstrando comportamento digno da extrema direita.

O segundo escândalo, entretanto, coloca todo mundo no mesmo barco. Todos contra Sarkô! Num país que tenta fazer da República a sua religião, um ato de nepotismo é imperdoável. E foi justamente o que aconteceu. Jean Sarkozy, filho caçula do Presidente, foi nomeado para assumir um cargo relevante na administração pública.

O moleque tem 23 anos e está no segundo ano da faculdade. Nem vamos entrar na discussão do mérito, pois mesmo que ele fosse um gênio com vários pós-doutorados, o caso seria igualmente escandaloso. O cargo em questão é de administrador do centro de negócios de La Défense, o principal da Europa, onde estão as sedes das mais importantes empresas francesas, situado a oeste de Paris.

Cabe ao órgão, que pode ser chefiado pelo Sarcoisinha, vender, ôps, quer dizer, aprovar os direitos de construção na área. Quem acompanha as mamatas brasileiras, sabe que este tipo de cargo é ideal para fazer uma poupança em Jersey.

Interessante é que o Sarcocota reage igualzinho aos brasileiros beneficiados pela nefasta prática do nepotismo. Diz ele que tem a sua própria carreira, que trabalha duro, que não tem culpa que é filho do Presidente, etc. Enfim, muda o idioma, mas a cara de pau é multinacional.

A coisa está pegando fogo por aqui. A pizza ainda não está garantida. Sarkô está propondo um novo lema para a Nação: Liberdade, Igualdade e Paternidade!


Foto: Outra tomada do porto de Honfleur, com as casas cinzentas típicas da Normandia.

Thursday, October 15, 2009

La Mauvaise Vie 1

No final de semana passado, ainda dava para sair de camiseta, o outono começou generoso. Ontem, a temperatura despencou: ZERO! Vou precisar do casaco, luva e cachecol um pouco antes da hora.

O tempo também fechou para Sarkô, que enfrentou dois escândalos consecutivos em menos de uma semana. Eu até esperei um pouco antes de comentá-los, aguardando o seu desfecho. Como não aconteceu nada, então vamos lá.

O primeiro episódio envolve o Ministro da Cultura Frédéric Miterrand, sobrinho do antigo presidente socialista. Miterrand é um ícone da comunidade artística francesa, sempre na mídia, muito bem relacionado e indicado ao cargo por Carla Bruni.

Foi a sua exaltada defesa do cineasta franco-polonês Roman Polanski, detido na Suíça, que colocou luzes sobre a sua vida pregressa. Todo mundo sabe da sua homossexualidade. Até aí, nada demais. O prefeito de Paris, Bertrand Delanoë, e a presidente do PS, Martine Aubry, são exemplos da força da comunidade GLS na política francesa.

O problema privado virou público, quando ele revelou na sua autobiografia (La Mauvaise Vie), ter feito turismo sexual na Tailândia. Não é um crime, mas para uma figura pública é questionável. Pior ainda, ele deixa dúvidas com relação à idade dos seus parceiros. Seus opositores não perdoaram. Disseram: Ele defende Roman Polanski por que joga no mesmo time dos abomináveis e execráveis pedófilos!

O Ministro está sendo linchado moralmente. Ainda resiste no cargo. Paulo Maluf teria um grande conselho para Miterrand: Quer fazer turismo sexual? Faça, mas não escreva!

No próximo post, o segundo problema do Sarkô.


Foto: Uma esquina em Honfleur, na Normandia.

Tuesday, October 13, 2009

Saco!

Não sei se os supermercados brasileiros ainda distribuem sacos plásticos para embalar as compras. Aqui, eles foram abolidos há uns bons anos. Quem os esquece tem a opção de comprar sacolas feitas para resistir a muitas viagens.

No começo eu achei um saco. Hoje, eu tenho sacolas "longa vida" do Carrefour, do Monoprix, do Casino, do Franprix, etc. Nunca cometi a indelicadeza de entrar no Monoprix com a sacola do Carrefour.

Acabar com os sacos plásticos foi a primeira atitude dos supermercados para se tornarem verdes. Eles tomam a iniciativa, mas o sacrifício é nosso!

Evidentemente, compreendemos e apoiamos a ação dos varejistas. Não vou nem entrar na efetiva contribuição desta ação, pois teria que recorrer a números de toda cadeia petroquímica, que nem tenho em mãos. Mesmo que seja simbólico, está bem, a gente aceita. Entretanto, eles não podem ficar só nisso.

Ser verde é uma parte mínima na busca pelo desenvolvimento sustentável. A contribuição dos super varejistas deveria ir mais além. Por exemplo:

- Deixar de ser o setor da economia campeão do subemprego
- Eliminar o excesso de junk-food das suas prateleiras
- Aumentar a oferta de produtos orgânicos e reduzir a de produtos de origem duvidosa
- Exigir que os fornecedores tenham os mesmos compromissos com a sustentabilidade
- Desenvolver fornecedores locais e, especialmente, pequenas e médias empresas
- Evitar a guerra suja nos produtos "low cost" com a utilização de ingredientes de segunda

Enfim, qualquer um desses temas é mais importante do que os sacos plásticos. Eu faço a minha parte, mas não estou convencido que os supermercados façam a sua.


Foto: Uma das melhores surpresas da Normandia foi a belíssima cidade de Honfleur. Porto situado no estuário do Sena, inspirou diversas obras de Monet, Courbet e Boudin. A cidade é próxima de Le Havre, segundo porto da França, depois de Marselha.

Sunday, October 11, 2009

Esportiva

De repente, vários blogueiros "sérios" começaram a falar de futebol. Então, antes que o Lula ganhe o Nobel de Literatura de 2010 pelas metáforas ludopédicas, eu também entro nesse campo.

Pelo site da Française des Jeux, podemos apostar nos jogos de forma bem flexível, como nas famosas casas de apostas inglesas. Escolhe-se um jogo ou vários. Assim, você mesmo cria a sua cartela lotérica virtual.

Pelo site, também sabemos a posição das apostas. Nesse momento, por exemplo, a aposta no Brasil no jogo de logo mais contra a Bolívia paga 1,5X. A Bolívia paga 3,3X.

Apesar da fama do Brasil e dos seus jogadores, o campeonato brasileiro não é um sucesso entre os apostadores. A França está promovendo as apostas no Brasileirão e apresentando alguns dos times nacionais. Pérolas:

- O São Paulo é o Lyon do Brasil
- Ronaldo, com seus quilos a mais, encontrou refúgio no Corinthians, um time ambicioso
- Palmeiras e São Paulo lutam pelo título
- Botafogo e Fluminense, dois monumentos, lutam pela sobrevivência
- Imaginem uma competição com Ronaldo, Adriano, Edmilson e, talvez, Ronaldinho. Um sonho! Essa competição existe, é o Brasileirão!


Foto: Port-en-Bessin-Huppain, uma das pequenas cidades ao longo de Omaha Beach, a meia hora de Caen. Um hotel a 5 minutos deste pequeno porto foi a minha base na viagem pela Normandia.

Thursday, October 8, 2009

Twitter

Estou tuitando há pouco mais de um mês. Entrei no Twitter como mero observador, mas é difícil ficar só assistindo. Depois de uma semana, já estava espalhando meus tweets, seguindo diversos serviços de informação e vários amigos.

A idéia do microblog é genial. Descontando-se os abusos, ou seja, aqueles que tuitam em excesso ou colecionam seguidores, o conceito chegou para ficar. Eu já mudei a maneira de consultar a Web. Antes, surfava aleatoriamente por alguns sites. Hoje, sigo as recomendações dos colegas, através dos seus tweets. Enfim, vou aos sites que foram indicados. A seleção é feita por amigos e colegas e não por um robot.

A oportunidade de se fazer um chat múltiplo e aberto também é interessante. Sintetizar tudo em até 140 caracteres é um belo desafio.

O lado mais idiota do Twitter é seguir as estrelas da Globo ou colecionar seguidores. Não é necessário muito esforço para colecioná-los, existem artifícios para tal. Eu fiz um perfil falso para testar. Baseado no simples princípio de reciprocidade (eu te sigo, você me segue), consegui arrebanhar centenas de seguidores. Provavelmente, eles não darão a mínima para o que "eu" escreva. A recíproca é verdadeira.

O Twitter está infestado de perfis falsos, criados de forma automática, geralmente a serviço da indústria do sexo e de outros pilantras. Quem conhece a Internet, já está acostumado.

Do lado infeliz desta experiência destaco que entrei no jogo Mobster World, que não é um vírus, mas funciona como tal, espalhando tweets para todos seguidores. Mais estranho foi o “phishing” no Blogger, onde mostro os tweets mais recentes.

Se o Twitter vai balançar o Google, a Microsoft ou o Facebook é uma outra história. Sem dúvidas, todos eles vão aprender e incorporar conceitos do Twitter. Por enquanto, nós vamos tuitando!

Foto: Duas fotos em Omaha Beach. Abaixo, a visão geral da praia. Acima, um dos diversos memoriais. Omaha Beach é uma praia comum. Mesmo no verão, não se parece nada com uma praia disputada do litoral norte paulista ou do Rio. Bem, no dia 6 de junho de 1944, ela estava um pouco diferente. Clique aqui para ver a foto histórica.

A conjugação do verbo tuitar foi sugerida por Gilson Pessoa.


Tuesday, October 6, 2009

Langue de bois

O não tão bem amado Jacques Chirac comanda uma fundação, que patrocina um programa bem original. Ao invés de filantropia ou ecologia, ela trabalha com a documentação e a preservação dos mais de 6000 idiomas da Terra. O tesouro linguístico do planeta tem valor inestimável. Além do aspecto cultural relevante, o seu estudo proporciona elementos importantes para a compreensão do percurso do homem desde os tempos mais remotos. Para saber mais, veja o site do programa Sorosoro.

Voltando à França e ao seu idioma culto e belo, é desnecessário dizer que os debates sobre uma possível reforma ortográfica continuam aquecidos. Já comentei uma ou duas vezes sobre isso, voltarei em breve com mais detalhes.

Mais interessante do que o debate sobre o idioma em si é a polêmica sobre a forma de utilizá-lo. Tudo indica que o povo não tolera mais a "langue de bois" ( língua de madeira, na tradução literal). Em bom português, trata-se da famosa enrolação. Para realizar uma dissimulação ou pura exibição, recorre-se aos chavões, eufemismos, conceitos abstratos ou banalidades. Conforme a situação, o tom vai da pompa à demagogia. Não é preciso dizer que é a língua de boa parte dos políticos.

Os soviéticos eram exímios empregadores da langue de bois. Os seus herdeiros da esquerda ideológica abusaram de generalidades como menções à vontade popular e à solidariedade. Certos ou errados, o povo quer algo mais direto.

Hoje, abolir a langue de bois é compromisso de formal de muitos candidatos. No movimento contra a langue de bois, surge o "parlé vrai", o discurso franco. Falar direto, simples e sem rodeios. A polêmica é se devemos ou não abusar dos palavrões e gírias. Há controvérsias.

Sarkô e alguns próximos estão engajados no parlé vrai. O líder do seu partido no Congresso, Jean François Copé, escreveu até um livro compromisso: "Prometido, eu acabo com a langue de bois". Isso não significa que ele não minta jamais. Ele mente. Mas não enrola.


Foto: Outra falésia de Etretat. A praia não é bem aquilo que o brasileiro entende como praia. De qualquer forma, a paisagem é espetacular.

Sunday, October 4, 2009

Normandia

A partir de hoje, as fotos da minha passagem pela Normandia no final de agosto ilustrarão os posts. Não posso dizer que foi uma ótima surpresa, pois viajei com dois volumes do Guia Michelin sobre a região. Sabia que tinha muita coisa para visitar.

A França possui duas regiões que compõem a Normandia histórica: Alta e Baixa Normandia. Com poucas exceções, minha viagem concentrou-se nos departamentos de Calvados (Baixa) e Sena Marítimo (Alta).

Um dos meus desejos era fazer o circuito do desembarque da Normandia, um evento histórico ímpar. Este ano, Obama veio ao memorial americano celebrar os 65 anos do Dia D. Vendo o evento pela TV, pensei: Também vou!

Fiquei num hotel na célebre Omaha Beach, que concentrou o desembarque americano. O circuito do Dia D espalha-se pela costa normanda, são dezenas de pequenas atrações a serem visitadas.

Se em 6 de junho de 1944, ingleses e americanos invadiram a Normandia para salvar a França e o mundo, quase mil anos antes, foi um normando que invadiu e tomou a Inglaterra. Pois eu também fiz o circuito relativo a Guilherme, o Conquistador.

Além dos dois circuitos, castelos, praias, falésias, cidades como Honfleur, Deauville, Bayeux, Caen e, um pouco mais distante, o Monte Saint-Michel.

Na foto de abertura, com direito a uma gaivota figurante, uma das falésias de Etretat, no Canal da Mancha.

Saturday, October 3, 2009

Penúltimas de Lyon 2

Sem qualquer base estatística, afirmaria que São Paulo tem mais arranha-céus do que a França inteira. Em Lyon, prédios com mais de 20 andares, contamos na palma da mão. Quando levantaram a última grande torre (Oxygène), cada nova laje era uma festa. Depois de algum tempo na França, aprendi a associar o excesso de arranha-céus mais à desordem do que ao progresso (perdão pela frase antipatriótica, foi acidental).

O que acontece em São Paulo é uma loucura. Ao longo da Marginal Pinheiros, são dezenas de lançamentos sem qualquer condição de escoamento do fluxo de carros gerado pelos mesmos. Quando eu saí, há quase três anos, o pessoal que trabalhava na Torre Norte reclamava que o congestionamento começava dentro da garagem. Imaginem quando todos os empreendimentos estiverem prontos!

O contraste com Lyon é notório. A próxima torre (Incity) será o prédio mais alto da cidade. Vai substituir um prédio, que será demolido devido à presença de amianto. Em número de torres, sai uma e entra outra. O que espanta é a discussão se o prédio deve ou não ter estacionamento. Pelo menos, aqui, a discussão faz sentido. O lugar é bem servido de transporte público. O empreendimento tem um apelo de sustentabilidade, então nada como nem oferecer a possibilidade de se usar o carro para ir ao trabalho. A prática da eliminação total ou parcial de estacionamentos em edifícios comerciais é comum na França.

Igualmente interessantes são as histórias contadas pelos colegas, quando reformam suas residências. Outra vez, o poder público mostra presença. As plantas são minuciosamente verificadas pela prefeitura. Não apenas os elementos de engenharia, mas todo o contexto arquitetônico e artístico. E quem mora perto de uma propriedade tombada, provavelmente não vai nem poder escolher a cor dos ladrilhos da piscina. Anedotas à parte, o importante é que o poder público se mostre presente e evite o caos urbano tão familiar de paulistas e cariocas.


Foto: Ainda em Millau. A foto é muito parecida com uma das anteriores, mas eu quero fechar este capítulo, pois tenho muita coisa para mostrar.

Thursday, October 1, 2009

Penúltimas de Lyon 1

Depois da excelente temporada de primavera/verão, o destino do meu carro é ficar na garagem, de onde só sairá nos finais de semana. Lyon é assim mesmo. Morando num lugar central, posso fazer quase tudo a pé ou com uma pequena ajuda da rede de transporte público.

Ainda bem, pois se dependesse do transporte público, estaria numa fria. Eu sempre comento que as esporádicas greves francesas incomodam um pouco. Porém, este ano está de mais. Estamos na vigésima greve de transportes em Lyon. E desta vez é por prazo indeterminado!

No Brasil, a população ficaria mais revoltada. Afinal, numa cidade como São Paulo, que já vive no limite do caos, qualquer perturbação tem efeitos incontroláveis. Na França, há aqueles que se revoltam e um número impressionante de solidários às causas proletárias.

A melhor decisão que a administração de Lyon tomou já tem alguns anos. Duas das linhas do metrô operam totalmente sem funcionários: Sem bilheteria, sem piloto, sem vigilância, etc. Só tem gente na central de controle. Nessas linhas, o serviço é dez! As máquinas não organizaram nenhuma greve. Ainda.


Foto: Ainda em Millau, a velha ponte sobre o Tarn e, ao fundo, o célebre viaduto.

Sunday, September 27, 2009

Millau 2

Não consegui encaixar a visita ao Viaduto de Millau em nenhuma das minhas frequentes viagens pela França. Então, aproveitando um dos últimos finais de semana ensolarados e quentes de 2009, preparei este "bate e volta". De carro, jamais faria 900km num único dia. Suponho que tenha escolhido a melhor combinação de trem/carro, indo até Montpellier de TGV e dirigindo até Millau.

Depois de algumas simulações com GPS e consulta aos horários do trem, o roteiro estava pronto. Calculei até o tempo de "pit stop". O que parecia maluco foi suficiente para convencer pelo menos um colega a ir junto. Outros ficaram com vontade.

Cinco dias antes do passeio, eu confirmei a previsão do tempo. O anticiclone dos Açores garante tempo bom em toda França. Sabia que encontraria alguma nebulosidade. Só não queria encontrar o viaduto totalmente encoberto pelas nuvens.

Enfim, sábado. Depois de uma semana super cheia, entre Bruxelas, Paris e Lyon, lá vou eu para mais uma aventura. As 6:30, já estava caminhando pelas ruas de Lyon. Andando, pois o transporte público está em greve por prazo indeterminado (assunto para um post próximo). Felizmente, eu moro perto da estação de trem Part-Dieu.

Seguimos o roteiro planejado com perfeição. Bateu tudo em cima: Chegada em Montpellier, passagem pelo viaduto, parada para tirar fotos, visita a Millau, almoço, etc. A partir das 14:00, encontramos a única surpresa do passeio. Não sabíamos que era o dia da corrida dos 100km de Millau.

Quando deixei São Paulo, a cidade tinha quase 200 corridas de rua por ano. Precisa-se de um senhor esforço para bloquear as ruas e garantir a segurança dos corredores. A maior parte delas acontece nas manhãs de domingo, quando o impacto na circulação é menor. Já em Millau, no meio da França, as corridas são diferentes. A organização da prova não bloqueia o trajeto exclusivamente para os corredores. Ou seja, os poucos carros que passavam por Millau dividiam o espaço com os corredores.

Nossa programação tinha uma folga de meia hora. Tinha! Depois de alguns quilômetros correndo no ritmo dos ultramaratonistas, ela foi para o vinagre. Perder o trem da volta não seria uma tragédia, representaria apenas um pequeno prejuízo e duas horas de espera. De qualquer forma, por que desistir? Nessa viagem de volta, o mais difícil foi costurar entre os corredores em plena segurança.

Finalmente, consumimos 25 minutos da folga e chegamos à estação 5 minutos antes do trem. Chegando em casa, transferi as fotos para o computador e escrevi o post anterior.


Foto: O centro de Millau não é de se jogar fora! Foi uma grata surpresa. Daria para ficar algumas boas horas por lá. A comida é típica "do terroir": Foie gras, terrines e embutidos. O rio que cruza a cidade é o Dourbie (foto), afluente do Tarn, mencionado no post anterior.

Saturday, September 26, 2009

Millau 1

Millau é uma pequena cidade do sudoeste francês. Até o começo da década, era conhecida apenas por ter sido o local, onde José Bové lançou o esporte de destruição de McDonalds. Hoje, esse esporte não está mais na moda. José Bové está um pouquinho mais responsável. E Millau vai bem, obrigado.

Millau fica no vale do Tarn. Um belo lugar com gargantas e desfiladeiros a caminho da Espanha. A rota Clermont-Ferrand/Montpellier, por exemplo, atravessava o vale por um percurso tortuoso e demorado. A enorme vontade política de se unir a Europa e deixá-la mais competitiva inclui a renovação da sua malha viária. Daí, o majestoso Viaduto de Millau, que passa sobre o vale do Tarn e está quase sempre sobre as nuvens. Com o viaduto, a viagem Paris/Barcelona ficou cerca de uma hora mais curta.

O maior pilar do viaduto possui mais de 340m, algo entre a Torre Eiffel e o Empire State. Sem dúvidas, o mais alto do mundo. A brilhante realização técnica foi coroada com o magnífico desenho do arquiteto britânico Norman Foster.

Não menos impressionante do que a obra é a sua gestão. Num país em que o Estado põe o dedo em tudo, o viaduto foi bancado pela iniciativa privada, que será reembolsada através de uma concessão de 75 anos. Mais de 20 milhões de veículos já cruzaram o viaduto desde a inauguração no final de 2004.

O viaduto custou 400 Milhões de euros e foi construído em três anos. Números relativamente modestos para tamanha realização.



Foto: Interrompendo a série de fotos da Toscana (voltarei mais para frente), compartilho com vocês fotos tiradas hoje mesmo em Millau.

Wednesday, September 23, 2009

Cavaleiro negro 2


Por razões óbvias, os consumidores querem uma nova operadora de celular, a quarta da França. A expectativa é que ela traga um novo dinamismo ao mercado: Novas ofertas e novos preços. A França pode ser competitiva na Internet e telefonia fixa, mas quando o assunto é celular, a coisa não é tão boa assim.

Ao contrário do mundo emergente, o mercado europeu está saturado, tem mais celular do que gente! As empresas vivem de torpedos e outros serviços. Não há novos mercados, os clientes pulam de uma operadora para outra.

A Free é candidata única à quarta licença. Os operadores tradicionais estão fazendo de tudo para bloquear a sua entrada. Eles conhecem a criatividade e a ambição desmedida do seu fundador Xavier Niel. Além do lobby tradicional e da vasta rede influência da Orange, SFR e Bouygues, a grande amizade pessoal de Sarkô com este último não é de se descartar.

Mesmo que uma maior competição seja interessante para o governo, os três grandes possuem um belo coringa. As duas primeiras licenças custaram 5 bilhões de euros (Orange e SFR). A terceira licença saiu por 600 milhões (Bouygues). A Comissão Européia, em nome de uma concorrência justa, mandou o governo corrigir o preço das duas primeiras para 600 e devolver a diferença. Agora, a quarta licença está cotada a 240 milhões. Imaginando que a Comissão Européia imponha o mesmo critério, o governo francês estaria arriscando muito. A propósito, por que nunca se discutiu este assunto no Brasil?

Orange, Bouygues e SFR anunciaram que a chegada de um operador low cost poderia suprimir até 30 mil empregos nos seus quadros. No momento em que a Europa está vivendo, esse tipo de chantagem assusta. Cabe a Free dizer quantos empregos ela poderá criar.

No vale tudo contra a Free, entra até o apelo à histeria nacional. A sociedade começa a se mobilizar contra as Estações Rádio Base das redes de celulares. Há inúmeras batalhas na Justiça para remover antenas nas proximidades de escolas, hospitais e residências. Os processos existentes estimulam outras pessoas a aderir à causa. As operadoras defendem-se na Justiça. Elas ganham muitas vezes, até pela falta de embasamento científico dessas ações. De qualquer maneira, espalha-se por aí que uma operadora a mais representa ainda mais antenas.

O processo de licitação está no final. Apesar do seu caráter técnico, os políticos terão a última palavra. Vamos ver a habilidade de política de Xavier Niel para contornar todas essas barreiras. Experiência não falta. Quem foi cafetão durante tanto tempo sabe lidar muito bem com deputados, senadores e burocratas em geral.


Foto: A Praça do Anfiteatro em Lucca. O anfiteatro foi-se há muito, mas a praça conservou o formato. A bela cidade de Lucca é uma das atrações da Toscana, marcada principalmente pelas muralhas intactas que cercam a cidade.


Sunday, September 20, 2009

Cavaleiro negro 1


Se os preços dos serviços franceses são invariavelmente mais altos que os brasileiros, na área de telecomunicações, a diferença pesa a favor da França. Depois da desregulamentação, a população aderiu maciçamente às ofertas integradas de telefonia ilimitada, internet banda larga e televisão. O conjunto de canais, países com chamada gratuita e banda variam um pouco, mas a brincadeira fica entre 30 e 40 euros mensais. Sem dúvidas, um dos preços mais baixos do mundo. O fenômeno permitiu uma inclusão digital sem precedentes. Os gigantes do ramo reclamam um pouco, mas aprenderam a vender outros serviços.

A desregulamentação e a livre concorrência foram essenciais para esta revolução. Foi uma empresa independente, sem pedigree, que lançou a caixinha que integra telefone, internet, televisão e ainda uma rede wifi doméstica. Graças à Free Telecom, a solução existe e o preço do pacote básico está estacionado nos 29,99 euros desde 2003. A cada dia, ela rouba um pouquinho do mercado dos operadores tradicionais.

Xavier Niel, acionista e fundador da Free, é um self-made man de uma espécie raríssima num país de tantos controles. Montar um império de telecomunicações a partir do nada é praticamente impossível. Se o seu arrojo já o coloca como inimigo número um do empresariado tradicional, a sua carreira também não ajuda. Além de não ter passado pelos bancos universitários, formou a sua poupança como proxeneta - vulgo cafetão - e outras atividades ligadas à pornografia.

Xavier não está satisfeito. Com a convergência das telecomunicações, não dá para ficar por aí. A integração dos serviços de telefonia celular dará ainda mais flexibilidade à sua oferta. A Free quer entrar na telefonia celular, a galinha dos ovos de ouro das telecomunicações, um terreno ferrenhamente defendido pelos três únicos operadores franceses autorizados: Orange, Bouygues e SFR. Os mesmos três operadores que viram seu mercado de telefonia fixa e internet serem abocanhado pelo ousado novato. Enfim, é um contra todos e todos contra um!



Foto: Na rota das vinícolas dos chamados super-toscanos, encontrei esta casinha, onde funciona um centro de informações para os enófilos. Para efeitos de localização, a área está ao sul de Livorno, ao longo da Via Aurélia, via que liga Pisa à Roma há mais de 2200 anos. A Ornellaia (Bolgheri) está a uns 10 minutos desta casa.

Thursday, September 17, 2009

Francamente 4

Como de hábito, interrompo uma série de posts sobre assuntos irrelevantes para falar das coisas que realmente importam, daquelas que mudam a história da humanidade. Talvez vocês não durmam esta noite, mas eu tenho que contar: O governo francês vai vender os seus haras!

Depois de muita reflexão e discussão interna, Sarkô resolveu tomar esta importante decisão. Não se assustem, o fato ainda não está consumado! Melhor planejar uma boa transição da passagem dos gloriosos Haras Nacionais para o mundo privado.

Aliás, a palavra glorioso nunca foi tão bem empregada, pois a cavalaria local faz sucesso desde Roma. Não é difícil entender o papel fundamental dos cavalos durante muitos séculos da aventura humana.

Os Haras Nacionais foram fundados por Luís XIV. A sua época, a França era a grande potência e os cavalos, peças fundamentais do seu poderio militar. O tempo passou, mas a rede de haras permaneceu. A instituição possui uns 1000 funcionários e 800 cavalos. Se ela tem um papel cada vez menos importante, ela ainda conta com um belo patrimônio imobiliário.

Pelo que eu conheço da França, deve existir um sindicato de funcionários dos Haras Nacionais, que vai vender muito caro esta privatização. Não duvido que façam uma greve. Provavelmente, os garanhões agradeceriam o descanso, pois uma das principais funções dos haras é a reprodução da espécie. In vitro, para tristeza dos equinos.

Abrir mão da rede de haras está entre as milhares de iniciativas escolhidas pelo governo em direção da competitividade. Assim, um dia, quem sabe, o país volte a crescer a galope.


Fotos: A pequena Fiesole é uma cidade de origem etrusca situada sobre uma colina nas proximidades de Florença. Justamente por isso, uma das suas maiores atrações é a visão panorâmica da capital toscana. A cidade tem um conjunto de ruínas romanas considerável, que incluem um anfiteatro em ótimo estado. Na foto, sua praça principal.

Tuesday, September 15, 2009

Francamente 3

Noite passada, um bêbado caiu nos trilhos do TGV. Encaixou direitinho entre os trilhos. O trem passou e ele não sofreu nenhum arranhão. Se tivesse acordado e levantado a cabeça com o barulho, teria sido degolado. E olha que um trem bala faz barulho e um belo vento! Moral da história: Nunca fique meio bêbado. Ou fique sóbrio ou totalmente bêbado.

A identidade do sujeito foi preservada. Tudo indica que a manguaça teve uma origem festiva. Aqui o pessoal é mais sofisticado, embriagam-se com Bordeaux, Cognac e Champagne.

As investigações apenas começaram. A hipótese de suicídio também é lembrada nessas situações. Sobretudo nos dias de hoje, quando as estatísticas de suicídio explodem. Só a France Telecom (Orange) acumula 23 casos em pouco mais de um ano. Muitos corpos de vantagem sobre a ex-campeã no quesito, a Renault.

Não é difícil entender o que acontece nessas empresas. Trata-se do chamado choque de gestão mal conduzido. As empresas recém inseridas num ambiente competitivo mudam a antiga cultura paternalista para uma meritocracia rigorosa, com objetivos muito arrojados. Evidentemente, uma parte dos empregados não se adapta ao sistema, outros jamais atingem as suas metas. A ameaça da demissão e o rótulo do fracasso, somados aos problemas pessoais e associados à natureza de cada um levam a tais decisões extremas.

Enfim, os empregos são como este post. Começam engraçados, mas podem ter um final amargo.


Foto: Arezzo, outra cidade da Toscana, cujo destaque é a Piazza Grande. Ali não há nenhuma Corsa del Palio, mas um secular torneio de cavalaria, a Giostra del Saracino. Como toda festividade originária da Idade Média, ou sobra para um muçulmano ou para um judeu.