Saturday, June 27, 2009

A burca da discórdia 4

São inúmeras as questões éticas que cercam este tema. E entre as coisas que mais aprecio na França, é a abertura e a riqueza da discussão. Ao contrário da América Latina, marcada pela colonização ibérica, aqui, religião se discute, e muito.

Não é à toa que Sarkô tem sido muito mais criticado do que elogiado. A sua posição em relação à burca pode ser apenas um gesto de aproximação com a sua base eleitoral.

No espírito da laicidade francesa, o governo de Sarkozy tem cometido vários erros. Por exemplo, a cerimônia ecumênica oficial em homenagem às vitimas do vôo da AF447 foi na Catedral de Notre-Dame, o que causou críticas bastante duras:

1) Por que a cerimônia foi numa igreja?
2) Por que o Presidente compareceu?

Vão pensando no assunto. No Brasil, já não se percebe tais sutilezas.

Apesar da obviedade, Obama e Sarkô fazem política. Os cristãos e judeus não fazem nada. E os muçulmanos fazem barulho.


Passo alguns dias em treinamento e volto com o epílogo. Até!


Foto: Ainda na primavera, visitei o Château de Touvet, em Isère, entre Grenoble e Chambéry. O castelo é habitado há 500 anos pela mesma família. Os jardins são impecáveis e a paisagem alpina não deixa a desejar.

Friday, June 26, 2009

A burca da discórdia 3

A proibição da burca não é tão simples de ser implementada e também não tem resultados garantidos. Para começar, existem outros trajes e costumes islâmicos que não condizem com o papel da mulher numa sociedade republicana, democrática e humanista. Aparentemente o governo francês não pretende ir muito longe nesta aventura.

Mais difícil do que fazer a lei é aplicá-la. A proibição do uso de símbolos religiosos nas escolas funciona bem nas áreas centrais. Nos subúrbios, impera o comunitarismo. Em várias áreas de maioria islâmica, políticos aderiram ao toma-lá-dá-cá, ao fisiologismo: "Votem em mim e a cantina da escola vai ter comida apropriada para os muçulmanos". "Votem em mim e haverá um ginásio para separar as meninas na aula de educação física". E assim por diante.

Quero crer que esses fenômenos periféricos não sejam a regra. A França é um dos poucos países que conseguiu colocar a religião no devido lugar, mas o proselitismo islâmico ameaça a harmonia da sociedade laica.


Foto: Château de Fléchères, bem pertinho de Lyon, no departamento do Ain. O castelo do século XVII esconde um templo calvinista. A guerra de religiões já estava encerrada, mas as limitações impostas aos protestantes fizeram com que Jean de Sève optasse por residir na ala lateral do castelo e consagrasse toda a parte central para a sua religião.

Tuesday, June 23, 2009

A burca da discórdia 2

A burca incomoda muita gente na França. Até mesmo a comunidade islâmica é majoritariamente contrária ao seu uso, bem como à prática mais extrema da religião. Se quase todo mundo está do mesmo lado, então qual é o problema?

Nenhum governante sente-se à vontade para impor condições às práticas religiosas. Estado e Igreja separaram-se há tempos e isto soa uma intromissão no campo privado. Logo, só é justificado numa situação muito grave.

Finalmente, mexer com muçulmanos radicais não tem sido muito recomendado nos últimos tempos. Apesar de serem minoria, eles fazem barulho, aterrorizam a sua própria comunidade e ameaçam o país como um todo. Vai encarar?

Sarkô quer banir a burca. Obama, não. Palmas para Sarkô, vaias para Obama. Esperamos que seja apenas um movimento tático deste último.


Foto: Ainda no Lac d'Aiguebelette, a família solitária aproveita os últimos dias da primavera, ainda não tão quentes assim.

Monday, June 22, 2009

A burca da discórdia 1

A aproximação de Obama com o mundo islâmico é essencial para restabelecer o papel dos Estados Unidos no cenário internacional. Obama disse que os muçulmanos podem praticar a sua religião com plena liberdade em território americano.

Acho que boa parte do Ocidente compreende e apoia a aproximação. Daqui da França, a atitude foi vista como positiva. Mas, apenas devido ao contexto político atual.

Justamente no momento em que se discute a crescente utilização da burca por muçulmanas francesas, fica evidente que liberdade religiosa tem limites. Cada um pode praticar a religião que quiser, do modo que quiser, respeitando-se os direitos fundamentais de todos e os valores republicanos.

A França soube bem separar o Estado da religião, colocando esta última no campo privado. Há um século, as escolas públicas francesas perderam o ranço católico e viraram "templos republicanos". Ao contrário do Brasil, não achamos símbolos religiosos em nenhum órgão público, escola ou hospital.

Sarkozy foi mais além, quando ministro, proibiu que os alunos fossem para escola ostentando quaisquer símbolos religiosos. Sem dúvidas, uma grande conquista!



Foto: Ainda tenho algumas fotos de Praga, mas deixarei para publicá-las mais para frente. Fiquem com o Lac d'Aiguebelette, perto de Lyon, no Departamento da Savóia. Estive por lá no único domingo de maio sem feriado prolongado. O sol aparecia, mas o clima ainda não era de alta temporada, com barcos e pedalinhos estacionados às margens do lago.

Veredito - Cécile e Véronique

Este post é continuação de "Dura lex, sed lex".

Dois dos julgamentos citados terminaram nesta semana. Cécile Brossard, a amante ferida, foi condenada a 8 anos e meio de prisão. Véronique Courjault, a mãe assassina e doente, a 8 anos. Pelo pouco que entendo do sistema penal gaulês, são penas moderadas. Certamente, elas poderão voltar às ruas um pouco mais cedo, sob certas condições.

As penas são moderadas, pois o júri reconheceu o dolo e alguns atenuantes. Acho que a defesa está ligeiramente mais satisfeita que a acusação em ambos os casos.

No caso Véronique, o pleno apoio do marido e de toda família foi essencial. Afinal, ela é doente e o melhor tratamento está certamente fora da cadeia. Véronique assumiu a responsabilidade, mostrou arrependimento e vontade de se tratar.

O caso Cécile foi mais hilário. A promotoria comentava sobre as vestimentas e artefatos usados pelo banqueiro Edouard Stern quando do seu assassinato, o que caracterizava um ritual sadomasô. Diz o promotor em tom de reprimenda: "A Senhora poderia ter tirado essas roupas comprometedoras do cadáver a fim de salvar a reputação do Sr.Stern". Pode?

Os outros julgamentos ainda estão longe do desfecho. Volto com novo veredito.


Fotos: O circuito judaico de Praga é uma das maiores atrações da cidade. O antigo gueto de Josefov ainda guarda as sinagogas usadas pela comunidade, bem como o cemitério, que funcionou de1478 à 1786. A foto acima mostra os túmulos seculares encravados no centro na cidade. A maior atração é a tumba do Rabino Loew (1520-1609), criador do Golem, um personagem importante da mística judaica (cabala). As sinagogas são bem mais interessantes por dentro do que por fora. Na foto abaixo, a Sinagoga Jerusalém que não fazia parte do gueto e ainda é usada pela pequena comunidade local.


Wednesday, June 17, 2009

Verão

Depois de alguns dias com o termômetro batendo nos 30 graus, o verão começa mesmo com a tradicionalíssima Festa da Música, quando milhares de conjuntos vão às ruas. Em quase cada esquina da França, a gente encontra alguma coisa diferente. Basta andar e escolher o seu tipo de música. Vai do popular ao clássico, passando por inúmeros convidados estrangeiros. E para comemorar o dia mais longo do ano, a festa vira a noite.

Verão é assim mesmo. São três meses de festivais por toda a parte. Tudo é aproveitado: Castelos, arenas e teatros romanos, praias, etc. A preferência pelas manifestações ao ar livre é notória e também há espaço para o teatro e a dança, entre outros.

Na região de Lyon, dois festivais concentram as atenções: Nuits de Fourvière e o Jazz em Vienne, ambos realizados na infraestrutura herdada de Roma. Eu fui conferir no ano passado e achei excepcional. Mais informações nos links: Lyon e Vienne.


Fotos: O castelo de Troja, um pouco mais afastado do centro de Praga, merece uma visita. A obra do final do século XVII é uma jóia do barroco, de inspiração italiana e francesa. Fiquei um bom tempo passeando pelos seus jardins. O seu interior é um museu. Notem na foto abaixo, o vinhedo que faz parte do complexo.



Monday, June 15, 2009

Descontão

Na França, domina a cultura do pequeno varejo, do mercadinho da esquina. Embora o país seja a origem de grandes grupos como o Carrefour e o Casino (Pão de Açucar), ainda hoje se faz manifestações contra os hipermercados, aqui chamados de "grande surface".

O que mais chama nossa atenção neste segmento é o efeito da perda de poder aquisitivo de parte da população, fenômeno não relacionado à crise recente, mas à estagnação dos últimos anos.

Depois do sucesso das marcas próprias nas redes principais, apareceram redes de supermercados que só vendem marcas próprias - com descontos consideráveis, é claro - que conquistaram as classes menos abastadas da Europa. A última novidade são os supermercados de produtos vencidos: Descontos ainda maiores! Obviamente, esta sensação da periferia não comercializa produtos perecíveis (pelo menos na frente dos jornalistas que andam comentando o assunto, pois eu não fui conferir pessoalmente). De qualquer forma, chega a ser surpreendente.


Foto: Acima, o conjunto da velha prefeitura de Praga, que tem no relógio astronômico a sua maior atração. Abaixo, o detalhe do relógio em hora cheia, quando as duas pequenas janelas se abrem para a aparição dos doze apóstolos. O relógio de 1410 retrata bem o espírito da época, do cristianismo exacerbado do Sacro Império. As quatro esculturas na parte inferior da foto simbolizam as suas maiores aversões. Da esquerda para a direita: A vaidade (figura com o espelho), a avareza (caricatura do judeu com um saco de dinheiro), a morte e o invasor pagão (turco).



Saturday, June 13, 2009

Dura lex, sed lex

Além do vôo AF447, o fenômeno midiático da temporada é a Justiça. Alguns dos crimes mais comentados dos últimos anos estão sendo discutidos nesses dias. Apesar da grande diferença entre eles, há algo em comum: Em todos os casos, há poucas dúvidas sobre a culpabilidade do réu. Os julgamentos deverão melhor contextualizar os crimes e o grande suspense é o tamanho das penas. Vamos aos casos:


França contra Véronique Courjault: Dois bebes foram encontrados no congelador de Véronique, no tempo em que ela e o marido moravam em Seul. No princípio, ela negou o conhecimento dos bebes, mas os testes de DNA comprovaram que ambos eram filhos do casal. Enviados de volta para a França, Véronique confessou o assassinato. Ela também havia escondido a gravidez. Cabe ao júri separar a doente da criminosa. A pena vem por consequência.


Suíça contra Cécile Brossard: A assassina confessa do banqueiro francês Edouard Stern também vai para o xadrez. A dúvida novamente é o tamanho da pena. A defesa vai apelar para a comoção e defesa da honra, uma vez que Cécile era constantemente humilhada pelo amante. Como Cécile fugiu após o assassinato, até o momento da sua confissão, muita gente suspeitava que ele fora executado pela máfia russa. O crime ocorreu no apartamento do banqueiro em Genebra, onde ele foi encontrado numa combinação de látex para rituais sadomasô e com um belo enfeite encravado no ânus, fato que alimentava a suspeita execução mafiosa. Com o julgamento, a família Stern quer salvar a honra do banqueiro. Já Cécile não tinha a ocupação mais honrada do mundo. Conheço o caso há muito tempo, pois Stern tinha um grande volume de ações da Rhodia e fazia muito barulho no Conselho.


França contra Total: Pouca gente prestou atenção, por razões óbvias. Dez dias depois do 11 de setembro de 2001, um acidente chocou a França. A usina da AZF, fabricante de fertilizantes do grupo Total, explodiu em Toulouse, matando 30 pessoas e ferindo 2500. O estrago foi gigantesco, a explosão quebrou 70% de todas as janelas da cidade. Parecia um atentado. A investigação comprovou que a causa foi a manipulação inadequada de produtos perigosos. A Total deve ser mesmo condenada.


França contra Youssouf Fofana: Em 2006, um jovem foi sequestrado, torturado, queimado e morto por uma gangue violenta liderada pelo folclórico Fofana. Esse tipo de crime não é nada comum por aqui, e o que mais chamou a atenção é que os bandidos escolheram a vítima, o jovem Ilan Halimi, somente por ser judeu. A quadrilha tinha quase 20 pessoas, vários mulçumanos e uma diversidade étnica considerável (negros, árabes, persas e brancos). A maioria está em cana. O líder Fofana chegou a fugir antes da sua prisão e vive debochando da Justiça. Ontem ele atirou os seus sapatos no meio do Tribunal. Para este caso, não sei se a lei é dura o suficiente.



Foto: Jardins do Palácio Wallenstein, sede do parlamento checo. O show é proporcionado pelos pavões que ficam soltos no jardim.


Wednesday, June 10, 2009

Era uma vez um muro


Parece que foi ontem. E lá se vão vinte anos desde a queda do Muro de Berlim. Já temos uma nova geração que nasceu e viveu sob regimes democráticos na República Checa, Eslováquia, Hungria, Polônia, Alemanha (oriental) e nos países bálticos. Esse é o tema do vídeo oficial da Comissão Européia, que divulguei ontem no Facebook.


Os poloneses não gostaram do vídeo, pois ele passa por cima de Walesa e Wojtyla. Deveriam ter dado uma colher de chá para eles. Vamos consolar os polacos, não deve ser fácil ter um papel tão marginal na nova Europa.

O fim da ocupação soviética, a democratização e a integração desses países à União Européia merece muita comemoração. Apesar da sangrenta desintegração da antiga Iugoslávia, a saga da União Européia é uma conquista da humanidade como um todo. Vejamos a História e contemos quantos anos França, Inglaterra, Alemanha e Espanha não estavam guerreando entre si.



Fotos: Acima, no centro de Praga, um painel com a cronologia dos acontecimentos nos principais países da então chamada cortina de ferro, desde a criação do muro até a sua destruição.
Abaixo, apenas para não perder a oportunidade, vamos de Praga para Berlim. Eis uma foto tirada sábado passado em plena Potsdamer Platz, onde estão preservados alguns segmentos do famoso muro. Reparem que as áreas vazias que ficavam próximas a ele foram devidamente reurbanizadas.


Monday, June 8, 2009

Européias 2009

Percebi que as eleições para o Parlamento Europeu não receberam muita atenção da imprensa brasileira. Nem dos europeus.

Com uma taxa de abstenção de 60%, quaisquer conclusões sobre o que pensa o eleitor de hoje são precipitadas. A direita venceu em quase todos os países. Na França, o partido de Sarkozy (UMP) ganhou de lavada. Alguns dos motivos já foram expostos neste blog: A divisão dos socialistas e o estrago provocado por François Bayrou.

A surpresa do final de semana foi a enorme ascensão dos Verdes (Europa Ecologia), chefiados pelo lendário líder do movimento estudantil de 1968: Daniel Cohn-Bendit. Surpresa maior são os seus colegas de chapa: José Bové (íntimo dos brasileiros) e Eva Joly (famosa juíza que luta contra corrupção).

O partido do Sarkô está definitivamente mais unido e, por isso, sai mais forte. Entretanto, se somarmos os votos do PS, do Modem (Bayrou) e dos Verdes, percebemos que ainda há uma boa chance de se derrotar Sarkô num possível segundo turno das próximas eleições presidenciais.

Enfim, a alta taxa de abstenção é um sinal da indiferença do povo face à crise e de uma certa descrença nos elaborados mecanismos de gestão da Europa. Torço para que seja um fenômeno temporário.


Foto: Dois estilos de arquitetura diferentes em Praga. Acima, o moderno Ginger & Fred (Dancing House) assinado por Frank Gehry, inaugurado em 96. Abaixo, o padrão do centro velho, a apenas 50m da Praça da Cidade Velha, excelente lugar para um "pit-stop".



Sunday, June 7, 2009

Pot au noir

Nossos colegas da Air France eram “keynote-speakers” do congresso desta semana e cancelaram sua participação. Por razões óbvias, estavam envolvidos num comitê de crise. A tragédia que uniu brasileiros e franceses ainda está sem explicações. Eu, com mais de um milhão de milhas entre São Paulo e Paris, também estou ansioso por uma resposta.

A imprensa francesa só fala do “pot au noir”, nome de guerra da tão falada zona de convergência intertropical, vasta área do planeta que inclui o trecho entre o Brasil e a África, onde estão os recém encontrados destroços do A330.

Pot significa panela, pote ou vaso. Noir é preto, evidentemente. A expressão vem da época da escravidão, quando os europeus levavam os negros da África às suas colônias americanas, gerando um intenso tráfego na região do desaparecimento do Airbus. Era justamente por lá, que os negros adoentados eram jogados ao mar, daí o “pot au noir”.

Considerando-se os milhões de escravos traficados e que uma simples gripe era motivo de descarte, só nos resta concluir que há muito mais coisas entre o Brasil e a África do que os corpos dos 228 passageiros do vôo AF447.


Foto: Sala de consertos, sede da Filarmônica checa e centro de exposições são algumas das funções do Rudolfinium, belo prédio do final do século XIX. Diante dele, uma escultura moderna orna a Praça Jan Palach (nome de um estudante que se suicidou em protesto da invasão soviética de 1968).

Friday, June 5, 2009

Crise

Pior do que crise econômica é crise de criatividade. Quando um palestrante começa a falar que crise, em caracteres Kanji, é escrita com os símbolos de perigo e oportunidade, eu já tenho vontade de sair da sala. Além de tudo, alguns deles pensam que estão abafando! Apesar de toda a sabedoria oriental, repetição tem limites.

No congresso desta semana em Berlim, à exceção dos tópicos técnicos, uma das frases que pegou foi uma atualização da desgastada história do parágrafo anterior: “Never waste a good crisis”. Certamente, mais atual e divertida do que a famigerada referência ao idioma oriental.

Aplicada à Tecnologia de Informação, a mensagem é semelhante ao artigo “Para que serve uma recessão?”, relacionado ao lado direito deste texto. Pois é, never waste a quite good blog!


Fotos: Acima, a visão geral da Praça da Cidade Velha, com a Igreja N.S. de Tyn ao fundo. A bela e charmosa praça estava no meu caminho, entre o hotel e as diversas atrações da cidade. Que sorte! Passei inúmeras vezes por ela e tirei pelo menos uma dúzia de fotos a cada passagem. Abaixo, o detalhe do monumento a Jan Hus, religioso da Boêmia do século XIV, precursor de Lutero na Reforma Protestante.