Sunday, April 22, 2012

Picolé de escargot

Comecei a escrever neste blog (e no antigo fotolog) na ocasião da minha mudança para a França, pouco antes do Sarkô assumir o primeiro mandato. Ao longo desses anos, mostrei o que o Presidente tinha de pior. Excepcionalmente, reconheci algumas qualidades.

Apesar de tanto ter insistido na rejeição popular ao Presidente, confesso que sempre acreditei na sua capacidade de virar o jogo e conquistar a reeleição. Nem sempre pelos seus méritos, mas pelos deméritos dos concorrentes.

O único nome que escapava desta incompetência generalizada era DSK, cujo destino é bem conhecido de todos. Se François Hollande (FH) estivesse no Brasil, não seria chamado de "picolé de chuchu", pois este apelido já tem dono. Talvez, "picolé de escargot". Alguns jornalistas da imprensa anglo-saxônica o chamam de "Mr. Normal". Não sei se alguém que proponha um aumento de imposto de renda para 75% possa ser considerado normal.

Plantu lembrou uma velha piada, comparando FH com o maior socialista da História, Cristóvão Colombo: Quando partiu, não sabia para onde ia. Quando chegou, não sabia onde estava. E tudo isso com o dinheiro dos outros!

Agora só um milagre tira a vitória de Hollande no segundo turno. Não foi FH que venceu. Foi Nicolas Sarkozy que perdeu. Perdeu pela imagem de esnobe e elitista que construiu. Pelas reformas prometidas, que deixou de fazer. Pela duvidosa liderança da União Europeia exercida junto com a Alemanha. Pela situação em que deixa o país.

Antes de tudo, a França enfrenta uma crise de sociedade. Há uma dúvida profunda sobre o modelo do país, este Estado tão generoso inserido num capitalismo competitivo, dominado pelos "mercados". E, como se não bastasse, a integração interna (imigrantes) e externa (Europa) são dois problemas cruciais para o futuro deste país. Enfim, não eleger Sarkô é dar uma chance para os ventos da mudança. A virtual eleição de Hollande no segundo turno é acreditar na exceção francesa.


Foto: Um dos cartões postais do Navy Pier (Chicago), a escultura "Crack the Whip" de  Jo Saylors.

1 comment:

Felipe Pait said...

O eleitor é sensível à conjuntura econômica, especialmente à derivada da taxa de emprego amostrada nos meses anteriores à eleição. É um algoritmo tipo greedy que pode ser considerado subótimo, porque o chefe de governo não tem muito poder sobre a conjuntura.

Mas é um critério superior à maioria dos critérios de escolha propostos pelos analistas sérios. Tem a vantagem adicional que um presidente que arrasta a recessão por mais de 4 anos leva um pé no traseiro.

No caso do Sarkô, por quem na minha ignorância tenho mais simpatia do que pela maioria dos políticos franceses, a crítica do eleitor é merecida. A recessão foi um fato do capitalismo; sua extensão é um erro de julgamento e falta de patriotismo das elites conservadoras rentistas. Um economista campineiro com a mão na guitarra teria resolvido isso há no meio do mandato.

Só discordo do seu "antes de tudo". Além de tudo, talvez a França tenha problemas estruturais e sociais de longo prazo. Se bem que para falar a verdade não são problemas assim tão grandes comparados com qualquer outro país do mundo. O problema imediato é a mini-depressão, que é culpa dos políticos conservadores. Saindo dessa, há tempo para resolver os problemas de longo prazo. Prolongando essa, as tensões se agravam e criam problemas mais agudos.

Em Go se diz: Pedras urgentes antes das pedras grandes (Kyuba antes de Oba). Sair da depressão é urgente. Competitividade e harmonia social são mais importantes, mas tem que esperar o momento. Sarkô não joga Go, e vai se dar mal.

Infelizmente Obama, em cujas habilidades estratégicas eu tinha mais confiança, cometeu erro semelhante, embora menos de maneira menos grotesca.