Tuesday, April 30, 2013

Fantasma II


Antes da minha última viagem, o noticiário brasileiro era dominado pelo escândalo das redações do ENEM. Não aquelas com receita de Miojo, falo daquelas com um portugueis essepicional.

Viajei com aquilo em mente, mas não tive tempo de escrever sobre o tema. Felizmente, pois encontrei a resposta que queria num artigo do Le Monde. Tratava-se de um balanço sobre a política de inclusão indiana sob a perspectiva das castas inferiores.

Se há algum país que conhece preconceito e discriminação é a Índia. Por pressões internas e externas, montou-se um forte esquema de inclusão, começando pela abertura da máquina pública aos intocáveis.

Na medida em que os excluídos penetravam na administração das cidades e províncias, o país promovia uma vasta privatização. No mundo privado, não há cotas compulsórias. Não podemos dizer que a privatização só existiu para se burlar a inclusão. Diversos fatores originaram tal movimento, inclusive esse.

A Índia conseguiu trazer um pouco dignidade a dezenas de milhões de habitantes. Porém, é inocente se imaginar que o esforço de inclusão não encontra resistência. Criam-se ou aumentam-se as barreiras naturais a fim de se preservar o status quo.

Hoje, um dos pilares da discriminação na Índia é o domínio da língua. Qual língua? Inglês, é claro! Em meio a mais de 20 idiomas, o inglês funciona como a lingua franca do país, que viabiliza a gestão nacional e a sua excepcional integração no mercado de serviços internacionais.

A muito custo, várias castas inferiores conseguiram espaços. Conseguem até uma boa educação nos idiomas locais. Agora, se dependerem do ensino público de inglês, ficarão onde estão. Fiquem tranquilos, o governo indiano promete melhorá-lo ;-)

Tomei o exemplo indiano para mostrar como a sociedade boicota a inclusão. Conscientemente ou não, você pode estar dentro.


Foto: Voltando para Saint-Paul de Vence, na Provence. Na pracinha logo na entrada da cidade, a menina brinca com as bolas de pétanque.

Saturday, April 27, 2013

Fantasma I


Nesta semana, foi divulgado que o The New York Times distribuirá uma coluna assinada pelo Lula. Escárnio geral nas redes sociais. Quem será o "ghost-writer"?  Desde quando o Lula escreve alguma coisa? E assim por diante.

Pode ser engraçado, mas é puro preconceito. Políticos, empresários e celebridades usam o legítimo recurso do "ghost-writer". Não é imoral nem anti-ético. A simples falta de tempo para se escrever um bom artigo justifica a contratação de um profissional.

A boa prática consiste em "brifar" o escritor. Ou seja, passar as grandes linhas do artigo e a mensagem principal. A forma exata da interação entre o autor e o escritor depende da personalidade de ambos.

No caso do Lula, não restam dúvidas de que, após dois mandatos presidenciais e uma longa vida de militância, ele tenha coisas para contar. Só numa recente palestra ao poderoso sindicato dos automobilistas americanos, a UAW (vale à pena, mesmo com uma hora de duração), Lula "brifou" uns quatro artigos. Apesar de ter levado o seu discurso em papel, ele parte para o improviso aos 9 minutos.

Também tenho minhas diferenças com o Lula, mas quero que ele conte suas histórias, mesmo que seja da prisão.


Foto: Ainda pelas ruelas de Eze.

Thursday, April 25, 2013

Eu uso óculos!

Quem não achou graça naqueles gráficos apresentados pela TV venezuelana durante as eleições? Só para refrescar a memória, tem uma amostra logo abaixo. Uma manipulação tão explícita e grotesca é fácil de ser percebida. Milhões de pessoas notaram e ironizaram a televisão chavista. Porém, trata-se de um caso extremo.


O maior desafio não está na identificação das manipulações grosseiras e sim daquelas mais sutis. Aquelas que passam desapercebidas. Ou quase. Presto especial atenção aos gráficos apresentados pela mídia. Seja por incompetência, imprudência ou ma fé, a imprensa está infestada de distorções importantes.

Os gráficos são um convite à ilusão. Recursos matemáticos legítimos podem salientar o que nos interessa sem a necessidade de se falsificar números: Mudam-se as escalas, jogam-se com as unidades, deslocam-se os eixos e assim por diante. E não são apenas os escroques da esquerda bolivariana capazes de tamanha ousadia. A Fox, veículo oficial do que os Estados Unidos têm de pior, não engana mais ninguém.

Este post não é contra a mídia. Pelo contrário, gosto mesmo de veículos com personalidade e posição definida. Essa história de neutralidade e pluralidade é bobagem.

Por definição, toda informação tem algum grau de distorção, por menor que seja. Ao longo da vida, ao acumular educação e conhecimento, formamos uma vasta coleção de lentes. E assim, para cada fonte diferente, escolhemos o par de óculos correto, aquele que corrige tais distorções. Bem, isso é para quem pode, pois a grande maioria nada vê.  


Foto: Voltando às fotos do último verão, os caminhos de Eze.

Sunday, April 21, 2013

Post-it

Em Lyon, fazia um esforço extra para deixar algumas notas bem escritas para a "femme de ménage". Texto claro em letra de forma. Melhor do que isso, impossível. Frequentemente, o post-it era acompanhado de um cheque.

Um dia, esqueci de deixar o cheque. Não foi calote, foi acidente! Aí veio uma troca de bilhetes. Não quero competir com o Piauí Herald sobre o magistral bilhete de Chico Buarque à diarista. Pelo contrário, o post-it que recebi é uma afronta histórica à língua de Victor Hugo!

Claro que guardei o bilhete original e a minha resposta. Na foto abaixo, só apaguei o nome dela. E não é por se tratar de uma doméstica, que a gente dispensa o "Madame"!

Mesmo quem não sabe nada de francês desconfia de alguma coisa estranha. Bem, já disse que o francês falado e escrito se distanciaram com o tempo. A língua de Voltaire não sofreu tantas reformas como o português.

A minha caríssima empregada só escreveu o que ela ouve e fala. Assim "vous n'avez pas laissé" virou "vous navepa leçe". Ela sim é um gênio, que deve ter alguma ligação com o cearense do post anterior.


Foto: Lojinha em Baux de Provence.

Saturday, April 20, 2013

Moleskine


No post "Viagem", mencionei meu caderninho de notas. De fato, são muitos. Eles vão se acumulando. São posts, artigos, palestras, entrevistas, etc. Acabados ou inacabados. Às vezes, uma anotação avulsa, uma curiosidade ou comentários sobre uma palestra boa suficiente para não me fazer dormir.

O maior problema da minha coleção de caderninhos manuscritos é entender o que escrevi. Pelo menos, estão protegidos ;-) Como disse uma amiga, sou um canhoto de mão direita.

Reconheço que o meu médico tem uma ligeira superioridade. A letra dele, ele entende. Quer dizer, só ele. Por causa da sua caligrafia, agendei um exame errado. Obviamente, ficou só no agendamento. Bem melhor do que a história de um ex-colega que tomou injeção pelo chefe. Melhor não contar muito mais.

Às vezes, me esforço para escrever com boa letra. Ao preencher os raríssimos cheques, na carta anual ao Sindicato dos Engenheiros para isenção da contribuição assistencial e também na hora de pedir a conta e escrever o CPF na notinha.

Outro dia, relaxei e o garçom cearense comentou: Caramba! Esse teu CPF parece até que foi escrito por mim. A nossa letra é igual! Será que temos algo em comum nas nossas árvores "geniológicas"?


Foto: A pracinha de Baux en Provence.

Sunday, April 14, 2013

Orloff II


Barcelona X PSG, o clássico da última semana é muito representativo. O Barça é patrocinado pelo Catar (165 milhões de euros por dois anos) e o PSG pertence integralmente ao mesmo emirado. Digamos que foi um clássico catari! Pelo menos, a UEFA é competente para atrair o capital de milionários e mafiosos árabes, russos, chineses, etc.

Nas últimas semanas, as únicas boas notícias que circulavam pela França eram relativas à campanha do PSG na Champions League. Ou seja, acabaram as boas notícias, pois o time caiu fora, apesar da disputa equilibrada com os catalães. E quando as boas notícias só vêm do futebol, lembro-me do Brasil de anos atrás, estamos diante de uma brasilização!

Sorte nossa, pois passamos por uma europeização. Não por que estamos ficando mais ricos ou educados. Mas, por que estamos ficando mais velhos, regulamentados e com inúmeros setores totalmente estagnados.

O Brasil alcançará a Europa muito antes do que se imaginava, só que pulará as décadas de prosperidade que o velho mundo teve no século XX. Vai direto para essa fase "complicada". (Não quero dizer decadente para evitar chutar cachorro morto).

Não tomem este post como pessimista. Passamos muito tempo presos ao efeito Orloff (eu sou você amanhã), comparando-nos com aquele país, onde nasceu o Messi e o Papa, que preferiu o caminho das repúblicas de bananas.


Foto: No castelo - ou melhor, ruínas - de Les Baux. Algumas réplicas de equipamentos de guerra medievais ilustram a visita.

Saturday, April 13, 2013

Viagem


Já optei por voltar da Europa em vôos diurnos algumas vezes. Ao invés de uma noite mal dormida, posso assistir 5 filmes em sequência. É verdade que bons filmes não merecem o avião como cinema. Por isso, aproveito para rever os filmes que gostei e ver alguns títulos franceses que já não encontraria nos cinemas.

No último vôo, estava decidido a assistir "Cloud Atlas" mais uma vez. Errei, foram duas, totalizando mais de seis horas, por que parei diversas vezes para fazer anotações. Os Wachowskis não fazem filmes comuns. Há muitas referências e pistas espalhadas caprichosamente pelo filme.

Muita gente se assusta com filmes que contam diversas histórias em paralelo, como "Cloud Atlas". Na realidade, nosso cérebro é excepcional para tal. Relaxe, curta e você perceberá que o nosso limite é bem acima disso. Entretanto, se alguém perguntar qual é a cor da camisa usada pelo Tom Hanks numa cena de 5 segundos atrás, aí a coisa pega. Enfim, foi por esse motivo que estava com meu caderninho.

Um colega perguntou: "Por que você não aproveita um vôo tão longo para abrir o micro? Rever um Powerpoint, por exemplo". Bem, isso eu faço quando quero dormir, em vôos noturnos!

Muitos pesquisadores especulam sobre os impactos da ditadura do Powerpoint em todos os meios. Provocaria uma imbecilização generalizada? Não sei, mas tenho uma certeza: comigo, funciona como sonífero. É o meu Valium. E não dizem que a Microsoft só faz drogas?


Foto: Na entrada do castelo de Baux de Provence.

Tuesday, April 9, 2013

De volta!


Minha ausência deste blog foi maior do que esperava. Há bons motivos. Sempre que vou à França, entro no modo "esponja". Desligo do Brasil e passo a absorver tudo que posso do noticiário local: jornal, televisão e web. Confesso que minhas fontes andaram mais à direita do que o normal. Ninguém é perfeito.

Sob qualquer ponto de vista, a desconstrução do François chega ser hilária. A situação da Europa é preocupante, mas o presidente francês tem mostrado incompetência ímpar. Os anos passam e a piada é a mesma dos tempos de Lula e Sarkozy: Dilma e François têm 100% de popularidade. Os dois juntos! Ela com 70 e ele com 30. Voltarei a falar do pobre François em breve (não confundir com o François dos pobres, o Papa).

Consegui encaixar uma esticada na Provence. Revisitei Les Baux de Provence para conhecer as Carrières de Lumières, uma pedreira desativada transformada em espaço de arte graças às projeções digitais. Experiência única para se entrar dentro da obra de Monet, Renoir e Chagall, entre outros. Veja o site.

Não tive ânimos para correr pelos parques de Lyon ou Paris. Estava muito frio para a época. Até mesmo na Provence, não foi fácil suportar os ventos gelados. Faltou um incentivo amigo para encarar zero graus sem roupas especiais. Não foi a primeira vez que deixo meus calçados de corrida intactos na mala. Eles adoram fazer milhagem!


Foto: Rua de Les Baux de Provence no último domingo de Páscoa.